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Agosto 2013

Memórias de um quase médico

— O que você quer ser quando crescer? Antes que eu abrisse a boca, alguém se apressava com a resposta:

— Médico, não é, Edmilsinho?

Era, pelo menos assim me parecia. Até perceber, como filho mais velho, que deveria fazer o que não conseguira meu pai: menino pobre, a carreira militar lhe dera educação, casa, comida e roupa lavada em troca do curso de Medicina. Ao primogênito cabia, então, realizar o sonho paterno...

E para isso estudei: no Ginásio 7 de Setembro, do Dr. Edílson Brasil Soárez; e no Colégio Cearense, dos irmãos maristas, que entregavam os alunos do 3º científico aos melhores professores de Fortaleza, cujas mãos nos abriam, uma vez por ano, a porta estreita da universidade. Lembro-me de cor: eram, em 1970, 1 863 candidatos lutando pelas 160 vagas da tão custosa Medicina da UFC, disputa que fazia dos vencedores os autênticos campeões do vestibular.

Passei – e passei bem. Nas disciplinas do primeiro ano, o esforço e o empenho dos novatos: certo de que nascera para a profissão, destaquei-me na histologia, tanto que o Dr. Aprígio, o famoso “Carcará”, uma vez apontou-me como exemplo para os colegas de turma... Ensinando-nos a usar o microscópio e a reconhecer tecidos, os professores Hamílton dos Santos Monteiro, Gutencilda e Glaura Férrer, os primeiros a nos desvendar os segredos e mistérios do corpo humano. A eles se juntariam outros: os mestres Livino Pinheiro, com sua admirável cultura; Eílson Goes de Oliveira; Evandro Studart, competente e educado; Viliberto Porto; Elcias Camurça; Vicente Lemos; Geraldo Tomé; Ely Vieira, penteado e bem vestido como quem acaba de sair do banho; Fahad Otoch, sempre de vara em punho, a ministrar farmacologia com o vigor de um cruzado; Manassés Fonteles, de mangas curtas e gravata, segundo o modelo americano que adotara na volta ao Brasil... E homens que, de poucas letras, nem por isso eram menos doutos, como Seu Joaquim, cujos conhecimentos nos salvavam
nas gincanas de anatomia...

Do primeiro para o segundo ano, manifestou-se a dúvida: seria mesmo aquela a vocação a seguir? Gostasse verdadeiramente da medicina e não folhearia os compêndios de fisiologia pensando em Drummond, nem assistiria às aulas de patologia sonhando com Guimarães Rosa... Compreende-se, assim, por que o aluno Edmílson passou de excelente a bom, de bom a regular e de regular a péssimo. No terceiro ano já quase não frequentei a faculdade, até que resolvi deixá-la. Sequer tranquei matrícula: simplesmente abandonei-a. Gostaria
de saber o que consta na minha ficha: “desaparecido”, talvez, ou “sumiu sem deixar pistas”, quem sabe?...

Faça-se ideia de como repercutiu a atitude – a partir da decepção de meu pai, profundamente desapontado com o filho que renunciava à medicina para fazer... letras! “É doido esse cara! Como alguém troca a carreira de médico pela de professor?!” – foi o mínimo que disseram... Hoje, passados 40 anos, é cada vez maior a certeza de que agi corretamente. Mais do que optar por fazer ou não fazer medicina, a escolha, muito mais difícil e dramática, era entre ser um mau médico e não ser médico. Por simples questão de honestidade, resolvi não ser médico. Pelo que me devem ser eternamente gratos a medicina e os doentes que não me passaram pelas mãos...

(*)Edmilson Caminha (Fortaleza), Escritor, Consultor legislativo, membro da Academia Brasiliense de Letras

 

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Edmilson Caminha (Fortaleza), escritor


                                            


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