Agosto 2009
Império do Medo
Bem me lembro da porta sempre aberta, e tão amplamente, que da entrada da casa já se via o corredor inteiro se estirando até chega quase no quintal! Não havia a menor preocupação de um estranho se aventurar, e ir entrando, sem antes dar um sinal de chegada.Quando muito, apenas encostada, um pequeno ferrolho à altura da janela, e facilmente se abria, por onde se passava o braço para puxar a tramela.
Não havia campainha na porta para dar um toque, e ao estranho bastava bater palmas, gesto por demais comum, para ser prontamente atendido. O que era íntimo entrava sem cerimônia, e logo no primeiro degrau dava o seu familiar "ô de casa", em alto tom, avisando da chegada.
Bons tempos, aqueles, quando o medo não fazia a sua ronda, e tranqüilamente, sem ter o ouvido em permanente alerta, se deixava apenas encostada, a porta, para o retardatário! À noite, somente uma luz acesa, no corredor, para evitar tropeços, e a casa inteira ressonava.
Não se vivia em prisão, grades por todos os lados, nem havia A necessidade de criar feras em casa, fila e pitbull, para enfrentar Bandidos. Não fora instituída ainda a heróica profissão de vigia, Revolver na cinta, e o risco de perder a vida a noite inteira!
Respeitava-se o alheio, e quando muito se ouvia falar no roubo de umas galinhas e de uns capotes no quintal, sumida, a roupa posta à véspera no varal. Eram escancaradas portas e janelas, e em passando se aventurava o olho curioso da menina, a espiar o
Hoje, é este pavor e esta neurose! Além das grades pontiagudas Na frente, são as grades nas janelas, os cadeados, as tiagudas na frente, são as grades nas janelas, os cadeados, as trancas, o "olho mágico", o alarme tocando alto pela madrugada, as cercas elétricas. E, em permanente sobressalto se aguarda o marginal chegando, no farfalhar da folhagem no jardim, no latido persistente do cachorro, na ameaça de um telefonema anônimo! Vivemos sob o império do medo, em pânico ao sair, ao deixar o apartamento ou a casa, vazios. Uma luz acesa, o rádio tocando, a televisão ligada, e se acalenta a ilusão de enganar o malfeitor. Ao chegar, com mil olhos se observa atentamente salas e quartos, com medo que nos espreite o bandido, e nos pregue uma armadilha
Sentado no chão, ali na Ceilândia, sozinho, ele chorou seu infortúnio.
Prometera à mulher buscá-la, assim que estivesse pronto o Barraco, para recebê-la com os quatros filhos, vindo do Nordeste. As minguadas economias transformadas em tijolo, amianto, pedra, cal, fazendo planos se preparava, ansioso, para o propalado dia.. Ao voltar, depois de uma noite exaustiva no trabalho, sem pregar o olho, a desgraça lhe esperava no lote vazio, debandados os sonhos e os pertences. Pela madrugada encontrara novo rumo, nas mãos dos ladrões, o fogão, adquirido com tanta dificuldade. E mais as redes, as panelas, o lampião, Deus! Tudo o que comprara, juntando o salário de meses! E ainda dois serrotes e uma martelo! Sua fortuna. Em vinte e quatro metros quadrados guardava a sua alegria, na expectativa da chegada da família, e se via, agora, dono apenas do chão, que nada lhe pouparam os bandidos, arrancando-lhe portas e janelas, e no vandalismo lhe levaram até o teto!
Ao relento, agora, chorava o tesouro perdido, a duras penas conseguido, e o seu sonho desfeito.Tudo carregaram, e por ironia, como testemunha, deixaram-lhe tão só o chão de cimento que não puderam levar!
O barraco vizinho, ao lado, tudo ouvira.Transido de medo se aquietara, em pânico, que a sanha assassina poderia incluí-lo na pilhagem. Mas sem supor, jamais, que o barraco inteiro era levado às costas!
Medonhos tempos que trazem no rastro a lembrança dos Bárbaros! Em sobressalto o rico e o pobre, a casa e o apartamento, a mansão e o barraco. Penoso fardo carrega o homem do Terceiro Milênio, o desrespeito e a violência açambarcando tudo! Depois de tanto avanço e tecnologia, e tanta empáfia, se dobrar ao império do medo!
(*) Regina Stella (Fortaleza), jornalista e escritora, como um grito gigantesco de esperança .