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Outubro 2012

Amarga ironia

Quando ele olhou a esplêndida paisagem à sua volta, a lagoa, as montanhas, os flamboyants e as amendoeiras enfileiradas à beira d’agua como sentinelas montando guarda, sentiu o privilégio que ali se oferecia. Nem por um instante vacilou. Decidiu, de pronto, que teria naquele lugar um pedaço de chão.Acolheu, fascinado, a idéia que brotara, e dias depois comprava a terra que imaginara num momento de exaltação.

Morando na cidade grande,numa rua barulhenta, onde o burburinho só tinha fim pela alta madrugada, ele se viu como um deus, a gozar de sossego e paz, das coisas simples há tanto esquecidas, longe do asfalto, do concreto, dos gigantescos edifícios.

Aos fins de semana, impreterivelmente, atravessava a baía, aliviado, e se encastelava na casinha branca cercada de varanda, tosca, a ler um livro, um jornal, a improvisar um jardim, a conversar, rapidamente, com alguém conhecido que passasse em frente. Passados alguns meses, os olhos só tinham vez para a b eleza e paz, alargou os horizontes, fez amizade com os moradores, uma prosa aqui, outra ali,no boteco uma cervejinha gelada. Chamou-lhe a atenção a extrema pobreza que cercava o seu pequeno mundo. E resolveu ajudar àquela pobre comunidade.Traria donativos, roupas usadas para distribuir, algo que conseguisse entre os amigos da cidade grande. Não poderia ficar alheio às necessidades que ali saltavam aos olhos.

Certo dia, ao ver o açougueiro da rua onde morava, que lhe servia há anos, descarnar uma peça,” gigantesco trazeiro”, teve a idéia de lhe pedir os ossos que se amontoavam num canto, para levar aos sábados àquela humilde gente, carente de proteínas. E pensava, de como faria bem às crianças um caldo quente, uma sopa, as proteínas que finalmente chegariam.

Contente, lá se ia aos fins de semana para o seu mundo de sossego, ansiando por silêncio, pela beleza da paisagem que antevia, satisfeito com a bagagem que levava, pesados sacos de ossos. Tinham endereço certo, toda vez.Mal chegava, lá estavam os fregueses à espera.

Convencido da caridade que exercitava, da colaboração que dava àquela gente, usufruía da alegria de distribuir. E ficava imaginando as famílias em volta da mesa ,imprestável, carcomida, pensa, a tomar, nas noites frias, o caldo dos ossos que trazia. E se passaram meses.

Tranqüilo, cumpria à risca o ritual: a compra dos sacos de plásticos, a ida ao açougueiro, a conversa rotineira confirmando o seu agradecimento pela participação e generosidade.

Trabalho repetido a cada sábado, igual, monótono mas infalível. E gratificante.

Certa vez, a distribuição dos ossos já tinha sido feita, e ainda cansado, a viagem tinha sido mais longa, difícil o trânsito, e já anoitecia, quando um dos costumeiros fregueses se aproximou.

Desconfiado, rondava de um lado a outro,uma palavra aqui, outra ali, resmungando. E então? indagou, surpreso, do estranho comportamento.Tem alguma coisa a me dizer? Depois de uma certa insistência, ainda relutando, com meias palavras,” pois é, o mundo é assim, nem todo mundo é igual, há gente boa e gente ruim, “ decidiu falar. E começou, - Eu acho que o senhor devia ficar um tempo sem vir aqui.É muito trabalho e o senhor mora tão longe! _ Porque? retrucou o benfeitor,espantado com a sugestão do peão, habituado à alegria da chegada, a pequena multidão lhe aguardando, a certeza do dever cumprido, a fisionomia dos que eram aquinhoados... Porque? _Estão falando umas coisas...e o senhor não vai gostar. Estão querendo, estão combinando lhe pegar. De surpresa. Para lhe dar uma surra.

Uma surra bem dada!

Espantado, arregalando os olhos pela inusitada confidência, soltou uma exclamação tamanho da noite: o que? como?porque?

Ah! esse povo fala demais! Estão espaiando que o senhor está enganando a “nois”. Estão dizendo que o governo dá a carne e manda pra cá, mas o senhor tira toda ela , e traz “pra nois” só os osso! Vão pegar o senhor. Ninguem quer ser enganado.

Era grave a denuncia e muito maior o espanto! Àquela noite, horrorizado, não pôde pregar os olhos. De medo, de raiva, de desencanto, Então, lhe tomavam por velhaco, ladrão e trapaceiro!

Madrugada, ainda escuro, levantou-se, juntou os apetrechos. Fechou a casa e se agachando , em defesa, caminhou até o carro.Como podia o homem dar acolhida a tamanha perversâo!

Naquela manhã de domingo, atravessando a baia, terrivelmente agredido, trazia na boca um amargo gosto de desengano

Passados muitos meses me confessou que, quebrado o encanto, não sabia dizer se ainda voltaria. Talvez quando o desgosto passar..

(*) Regina Stella (Fortaleza), jornalista e escritora

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Regina Stella S. Quintas
Jornalista e Escritora
studartquintas@hotmail.com

                                            
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