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Novembro 2015

Coronel Chichio

A impressão é ainda tão nítida que parece ter sido debruada ontem. Bem cedo, a serra envolta numa gaze de névoa, Guaramiranga ainda se espreguiçava aos primeiros raios de sol, e eu descia lentamente a ladeira da gruta, ladeada de ciprestes, respirando forte o ar puro da manhã como se respirasse a própria vida, tanto o encantamento.

Corriam os dias de verão, no período das férias entre dezembro e março. O céu muito azul era um contraste com o verde intenso que em todos os matizes cobria os morros. E se abrigava em janelas de vermelho, nas papoulas que desabrochavam à margem dos caminhos.

Doces e quase dolorosamente ternas as lembranças que me vêm dessas manhãs e dos dias preguiçosos, sem compromissos, vividos em plenitude, porque eram esperados ardentemente o ano inteiro, aguardados com a ansiedade de quem precisa de ar para viver. Febris, na alegria da adolescência, às portas de um mundo que me parecia fantástico, pronto para ser vivenciado.

A sua figura alta, cercada de uma respeitabilidade e de uma autoridade sempre presente, passava por mim, que vinha da missa, no rumo de suas obrigações constantes que permanentemente o chamavam para saídas regulares, todas as manhãs.

Vestindo-se com sobriedade, calça cáqui e camisa branca, botina preta, chapéu cinza, compunha o centro das atenções onde estivesse, com uma dimensão senhorial, dono de uma distinção e uma nobreza que eu sentia em cada gesto seu, num simples bom dia, numa atitude de aquiescência.

Era um chefe, um líder autêntico. Sua palavra, em qualquer sentido, era a fronteira entre o sim e o não, o impasse e a decisão, o empenho, a lei, a ordem e a sentença. Muitas vezes, o simples gesto substituía horas de discussão, e o seu silêncio, com a cabeça em pêndulo, vertical ou horizontal, traçava, com sabedoria e profundo senso de justiça, o rumo para os acontecimentos.

Generoso, bom, equilibrado, jamais participou de qualquer fato social, político ou jurídico representando o lado do mal. Juiz sem toga, resumia na força de sua personalidade todo um processo de equilíbrio que sustentava Guaramiranga dentro de uma ambiência de paz. Era governo sem os títulos oficiais. Era a ordem pelo exemplo e pela firmeza. Era um senhor sem armas nem brasões; talvez os tivesse, mas nunca os ostentou.

A casa onde morava, consequentemente, era quase um templo. Imensa nas suas proporções derramava seu sobrado num oitão muito branco, centro da vila, distribuindo-se em generosidade de salas e quartos amplos, claros, convidativos, na segurança, no conforto, na solidez que vinha do seu dono. As paredes externas ganhavam um perfil de vetusta dignidade, desenhado pela hera sobre o alvo da caliça. Pelo portão de ferro, sempre aberto, a escada se oferecia numa dezena de degraus logo à entrada, num convite que se antecipava aos seus moradores, sempre solícitos e pressurosos. E da varanda, guarnecida por balcões de ferro fundido, olhava-se o jardim, colorido e perfumado, onde disputavam beleza os jasmins, as gérberas, as violetas, as angélicas, as margaridas, os copos-de-leite, as rosas e, entre esse mundo botânico, os trevos ingênuos, onde buscávamos, no sortilégio das quatro folhas, as decifrações de um futuro feliz.

Inesquecível Coronel Chichio, um dos personagens mais marcantes que povoaram a caminhada alegre e inquieta da minha adolescência, senhor de um mundo que até hoje é a minha Passarada. Dono de um coração sem fronteiras, Francisco Mattos Brito possuía um cetro de liderança que nunca usou de violência para se impor ou se afirmar. Bondoso, sem ser piegas, tinha consciência de sua dimensão como chefe e líder, e na sua passagem jamais se despiu das marcas que lhe conferiam a qualidade de comandante.

Com ternura e profundo respeito rememoro aqui, tantos anos depois, o homem, o pai, o chefe de família, imaginando-o em seu terno de brim imaculadamente branco, abrindo as portas de sua casa em Guaramiranga, fazendo festivas as manhãs de domingo para os privilegiados que subiam as escadas do sobrado para apertar-lhe as mãos com um “bom dia”, ou então beijá-las com “a sua bênção, meu padrinho”.

Ao relembrar os fatos, as pessoas e as situações, um sentimento se sobrepõe a muitos outros que acorrem para reverenciar a sua extraordinária figura, a certeza de que o mundo seria bem melhor se, em cada comunidade humana, existisse um Coronel Chichio, exatamente como o de Guaramiranga, serra querida, terra encantada que eu relembro agora, coberta de névoa, toda branca e florida como a noiva do poeta: “Esta noite eu vi a minha serra, “Como uma noiva de grinalda e véu...”

(*) Regina Stella (Fortaleza), jornalista e escritora.

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Regina Stella S. Quintas
Jornalista e Escritora
studartquintas@hotmail.com

                                            
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> 2015

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Camaleões à solta

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Seca: a tragédia se repete
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