Dezembro 2009
Nos limites de um presente,um presente sem limites
Na antiga casa, mesmo sem lareira e sem chaminé, mesmo sem neve caindo e sem trenó nas ruas tilintando os sinos, como se via na "Folhinha", quando entrava dezembro se punha , em alvoroço, a criançada, com a proximidade do Natal e a chegada do Papai Noel.
No árido Nordeste, luminoso, ensolarado, havia contudo, uma mágoa, um dorido ressentimento no coração da menina, pela paisagem branca que não tinha, cobertos de flocos de neve os pinheiros, e não era aquele, por certo, o caminho que o velhinho de barbas b ranças gostaria de trilhar, quando viesse na esperada noite!
Contudo, ele viria distribuindo presentes, por mais pesado fosse o saco de brinquedos, e por mais cansado estivesse, depois de uma volta inteira percorrendo o mundo.
Diziam ser bondoso e amigo o Papai Noel , premiando as crianças, mas dessa bondade, ela não ousava confessar, provas verdadeiras nunca dera, pois tão rápido passava e sempre tão atrasado na tarefa,que nunca podia deixar , no seu sapatinho, aquilo que pedira e com tanta ansiedade esperara o ano inteiro !
No santuário da avó, era ali, que uma a uma as cartas eram postas, oito, letrinha miúda, trêmula, numa folha de caderno, levando nos garranchos o anseio, o sonho, o coração palpitando.Aquele correio mágico, fascinante, guardava o desejo mais secreto. Aquele que o Papai Noel apanharia certo dia, de surpresa, e levaria nas azas do vento. Retornaria depois, na noite de festa, e quem sabe, podia até ser, que dessa vez trouxesse o presente sonhado, escrito com a mãozinha tremendo, arfando de emoção o pequenino coração.
No longo corredor da casa antiga se enfileiravam, na véspera, os sapatinhos, aos pares, distantes uns dos outros, para que não houvesse engano por parte do Velhinho, pois, cansado, tão longa a caminhada, poderia trocar, e dar a um, o presente alheio! Dali, a cama era o endereço certo, na vontade de encurtar a noite, tamanha era a ansiedade.
No dia seguinte, na esperada manhã, toda vez era sempre o mesmo desengano, o gosto amargo e a boca seca, da decepção que eu não ousava contar a ninguem! Desencantada, num certo natal, desisti de vez, e nunca mais pedi. Nunca mais.
O mano, contudo, vizinho de idade, mais inteligente, com Papai Noel adotou uma tática diferente na arte de pedir.Sómente muito mais tarde, anos depois, me deu a conhecer.
Assim a carta que escreveu naquele ano : " Meu querido Papai Noel.Eu quero neste natal uma bicicleta.Mas se for muito difícil, eu fico contente se você me der um par de patins. Mas se for difícil, eu fico contente com um patinete.Se você estiver cansado , eu fico contente com uma pipa. Se for difícil, traga papel de seda, que eu mesmo faço a pipa. Um beijo do amigo..."
Psiquiatra inteligente, brilhante, nem sabe a profunda lição que me deixou, ao me contar a sua história linda.Agora que se foi, de vez, não voltará, e dezembro vai entrando, com a expectativa do Natal, ofereço-lhe estas reminiscências doces.Quem sabe, onde estiver, pode até se lembrar...
Juro que não irei , nestas festas , copiar a sua tática, na artimanha de escrever ao carismático velhinho. Ao contrário, vou riscar de uma longa lista, tudo o que poderia dar sentido à efêmera ilusão de uma dádiva.
Apenas começar tal como ele: " Meu querido Papai Noel. Eu não quero um carro neste Natal. Nem também um apartamento.Tambem não quero aquela linda viagem.. Nem aquela preciosa jóia. Nem um cruzeiro pelas ilhas gregas.Não me traga a "sena". Nem aquela televisão imensa que toma quase a metade da sala.Não quero absolutamente nada.Deixe-me com o que tenho.
Basta-me a vida, para continuar o meu caminho, com aqueles que elegi os mais queridos do mundo. Sua Regina Stella.
(*) Regina Stella (Fortaleza), jornalista e escritora.