Janeiro 2009
Muros de Argila
Na intenção que se iniciou na roda de amigos, fi caram, desde logo evidenciadas das duas verdades imutáveis: a vida, como um processo contínuo, desdobrando-se em sucessivos estágios, desde a fecundação, o nascimento, a primeira infância, a adolescência, a maturidade, a velhice e a morte, e a grande interrogação além dela; o amor como elo entre as pessoas, vinculando-as através de todos os estágios, numa projeção sem fron¬teiras e sem limites no tempo e no espaço.
O amor e a vida, como síntese e como análise, transcendem o próprio homem nas suas limita¬ções físicas, indo além das dúvidas para situar-se nos planos de co¬gitação onde o misticismo e a religião, nas suas múltiplas facetas, respondem pelas atitudes de cada um ao buscar um sentido para essa mesma vida e esse mesmo amor.
A discussão estabelecera-se em torno das ligações afetivas que unem os indivíduos do mesmo sangue ou pessoas na amizade, e sua possível rutura ante a indecifrável fatalidade da morte.
Uns pretendiam que se desfi zessem inelutavelmente os laços de afi nidade, considerando a morte como um interruptor de luz, apagando ou acendendo, claro e escuro, um marco defi nitivo de uma passagem sem retorno. Outros, timidamente, aventavam hipóteses e fórmulas no intuito de encontrar uma resposta que não rompesse o elo que deve permanecer além da morte.
Sem vãs fi losofi as ou explicações transcedentais, uma idéia entre muitas nos pareceu mais lógica, mais sensata, mais dentro da concepção do que seja a vida e do que seja o amor.
Aqueles a quem se amou, aqueles por quem se desdobrou em cuidados a natureza de cada um, aqueles por quem o coração encontrou razões de elegê-los os mais queridos entre os milhões de seres. Aqueles entre os quais a comunhão se fez e completou-se a unidade, no encontro e no entendimento. Entre eles, os laços de amizade permanecem, numa etapa superior de compreensão, além dos sentidos. Seria negar-se a si mesmo, a atravessar a etapa final desta caminhada, o homem ouvidar por completo aquilo que intrinsecamente lhe deu conteúdo humano.
Atingindo a maturidade, pode-se ter uma visão abrangente na escala dos valores afetivos, compreendendo, sem participar, a eleição e o carinho de uma menina por uma boneca, ou do menino por um soldadinho de chumbo, ou seu caminhão de madeira, pintado de azul.
Para aqueles que já habitam novas aragens, da mesma forma, e também sem participar, a não ser pela compreensão, uma etapa mais evoluída e obviamente longe dos sentidos, abre-se uma janela no desconhecido. Para um debruçar sobre aqueles que foram a razão dos seus cuidados, sua preocupação, acompanhando-lhes o canto e o pesar. Sem interferir e sem sofrer. Tal como os adultos, em complacência, com um mal disfarçado sorriso compreendem e acompanham o sfdrimento da criança que quebrou o seu brinquedo, sofrido e chora pela perda do objeto amado, seu dom e sua graça. Seu mundo.
Assim em planos distintos, faz-se a ligação, permanece o elo, une-se por invesíveis laços no amor, os que se foram e os que fi caram.
A verdade é que, espírito, chama, energia, ou qualquer outro nome que se lhe dê após ultrapassar estes muros de argila, o homem se identifi ca no Amor, como uma única razão de ter vindo e de ter ido, assinalando nesta passagem as marcas da eternidade. Feitas de Amor.
Nada mais foi questionado na discussão em pauta. Mesmo porque as teses afl oradas perderam o sentido, enveredando por caminhos inviáveis.
Ninguém jamais voltou daquelas paragens para contar como é, mas a mim conforta a possibilidade, de além, bem além destes muros de argila, acompanhar o fi lho que eu adoro, o companheiro que eu amo, o coração que bateu uníssono com o meu. E continuar vivendo o amor em plenitude.
(*) Regina Stella (Fortaleza), jornalista e escritora