Fevereiro 2010
Depois da festa...
Agora que terminou a festa, e pelas ruas ainda perambulam os retardatários, remanescentes dos tres dias de folia, os vestígios de ontem, as serpentinas amarfanhadas, os confetes ainda esvoaçando, os gigantescos pandeiros, agora mudos, que enfeitavam as avenidas, hoje sem expressão e nenhuma valia, retratam com extrema fidelidade a ilusão de que é feito o carnaval.
Pelas ruas, agora silenciosas, caminham os fantasmas de todos os pierrôs que a obstinada paixão canta à colombina de todos os tempos a sua eterna ilusão, hoje transformada em pranto. Marcham solenes, convencidos da mentira que foi o riso, o brilho, e quão falsos os guizos, e vã , a alegria!.Silenciosa e plena de tristeza a praça, e as avenidas são simples cenários, destituídas da pompa de ontem, onde se brincou de “faz de conta”, e cada um se vestiu de pajem, de princesa, de arlequim, acalentando um sonho. A quarta feira chegou com gosto de cinza, se vestiu de tédio e desencanto, e com desdém ignorou os últimos roncos da cuíca. Passado, o Carnaval.
Agora que tudo acabou, e que o velho travesseiro é o mais secreto confidente, para ouvir mágoas e lamentações, haveria necessidade de tanto brilho para o palhaço dançar? Tão pouco exige o palhaço, artista de circo, para com trejeitos e muncangos, pilhérias e caretas divertir o público! Uma calça larga, um antigo suspensório, um sapato de metro, uma careca, e mais que tudo, uma boca escancarada, imensa, para rir e gargalhar, da tristeza, do medo, da dor.Que é esta a função do palhaço, rir e fazer rir, de noite, de dia, a qualquer hora, com vontade, sem vontade, com dor de cotovelo, com raiva, com ódio, tomado de desencanto, pleno de amargura! Basta-lhe um picadeiro.
Indiferente à suave equilibrista que se mantem no arame, hesitante, segurando a sombrinha de renda, e na ponta dos pés, em delicados meneios percorre o fio, sua vida, seu ganha-pão, o palhaço tem que gargalhar, e distrair e atenuar a tensão. E mesmo que no alto, no trapézio, em risco a vida, o artista se lance no ar, se jogue no espaço, e o perigo o cerque e espreite a vida, o palhaço tem que correr, desvairado, a rir, a trejeitar! Sem querer, sem poder, tem que gargalhar!
No Carnaval, nos tres dias de folia, eu vi, tristemente, num gigantesco picadeiro, em profusão, centenas, milhares de palhaços! Contorciam-se em pulos e requebros, em voltas e cirandas, cercados de brilho, cercadas de lantejoulas a fantasia! E se desdobravam em risos, e cantos, e afivelada ao rosto uma máscara feita de mentira. E a platéia aplaudia.
Por trás de todo aparato, contudo, escondida, a necessidade premente Nos estertores da dança, o desencanto, o tédio, a carência gritante. No rodopio frenético, a certeza de que nos dias vindouros, no apagar das luzes, a realidade vai se apresentar, nua e patética. A falta de oportunidade, a falta de emprego, a remuneração que não chega. O dinheiro minguado, o filho sem escola, o aluguel em atrazo E, novamente, a procissão do desespero, tudo igual, outra vez!
Palhaço na dor, na falta de fé, palhaço no picadeiro. Na orgia de mentir, na obrigação de enganar, na tortura de iludir! Palhaços, tristemente, tentando se mascarar na fantasia, vestidos de rei, de menestrel, de pirata e cinderela, embrulhados em ouro, em plumas seguiam em penoso cortejo, enquanto aos ouvidos me chegavam os acordes do compositor: “ pede a banda / pra tocar/ um dobrado/pede a banda/ pra tocar/ no picadeiro’’ ..
(*) Regina Stella (Fortaleza), jornalista e escritora.