Fevereiro 2013
Recado para quem sai
Antes que tudo a minha solidariedade, porque sei que
não vai ser fácil trilhar novo caminho, começar tudo
outra vez, noutro lugar.
O hábito é uma segunda natureza, se entranha, se
insere com tal força e intensidade que já não se sabe,
exatamente, onde se manifesta o hábito ou a própria
natureza. Uma cousa ou outra, mas urge mudar porque
já não lhe pertence a primeira palavra e nem a última.
Já não lhe compete ordenar, congregar, liderar.Quem
desce, inevitavelmente tem que se render à evidência
de que o poder não lhe concerne.
Tantos anos no mando, centro e figura de destaque, as
alas se abriam ao passar e os sorrisos se afivelavam ao
rosto, impreterivelmente Por força da repetição, foram
tomados como obrigação à sua pessoa, a aquiescência,
as alas, os sorrisos, e você não percebeu, a tempo, que
se endereçavam ao cargo, à função, à importância da
posição que ora ocupava. E agora?
Imbuído do mérito do trabalho a realizar, tantos à
sua volta para obedecer, cumprir ordens, prestar-lhe
contas,subiu-lhe à cabeça a importância, e ser e estar
passaram a sinônimos.Vai ser penoso aprender o verdadeiro
sentido das palavras
Doloroso descer para a planície. De cima, a paisagem
apresenta forma e cores bem diversas. E, sem se dar
conta, os que estão no alto se apropriam das questões e
dos problemas do cargo, como se fossem pessoais. E,
perdido o poder, não é simples ceder a terceiros uma
solução para a qual se julgava o único detentor. Uma
compulsão quase irresistível surgirá, de opinar, de interferir,
de participar. Inutilmente, sua vez de agir já se
perdeu no tempo. Passou,
É forçoso, naquele exato instante, uma certa humildade
para reconhecer que outros, agora no comando, têm
também talento e inteligência, capacidade e aptidão,
novas concepções, diferentes idéias, dominam, sem a
sua interferência, o questionamento que você, talvez,
presunçosamente, julgava ser o mais capaz e o mais
entendido.em solucionar
Nesta nossa cidade de poder e transição, procissão de
alternâncias, onde a vida toma forma de gangorra, já vi
muita gente chorar! Convenhamos,ninguem pode ficar
indefinidamente na parte de cima! Um sobe e o outro
desce, lei da vida.
Agora, preciso lhe confiar um segredo: o poder magnetiza
e atrai, mascára muitos à sua volta, De agora em
diante eles vão se revelar, Prepare-se, para não ficar
pálido de espanto.A amizade nãoé bem que se adquire
à custa de cargo e de importância, mas de confiança e
de admiração.Talvez você não tenha sabido distinguir
os amigos pessoais e os amigos do cargo. Às vezes se
torna difícil constatar a diferença...
Vai acontecer uma mudança radical. Nem mais louvores,
nem mais aplausos, e o que é mais penoso, com quem
você contava, talvez não conte mais... A máscara vai cair.
A roda habitual, pouco a pouco vai se desfazer. Ninguém
para contar o fato inédito e pitoresco, e a assiduidade
vai terminar. Inapelavelmente.. Estarão atarefados, de
tal modo, que não lhes sobra tempo para a conversa e
o cafezinho... Nem mesmo para um telefonema. E não
se surpreenda se lhe virarem o rosto como se nunca o
tivessem conhecido! Como se nunca tivesse sido feito o
obséquio, atendida a solicitação! A incoerência é própria
do homem, e paradoxalmente, muitos se sentem ofendidos
por lhe dever um favor! Espicaça-lhes o orgulho,
e prefereriam que a dívida fosse esquecida
A ingratidão vai doer, a constatação de que não havia
amizade mas simples interesse. Vai lhe provar, agora na
planície, quão vulnerável e frágil é o ser humano.
Entre a multidão, e no anonimato, vai se aquietar a
vaidade, e você vai aprender que é importante também
ser simplesmente alguém.
(*) Regina Stella (Fortaleza), jornalista e escritora