Junho 2012
Atores de todos os tempos
Eterno círculo vicioso a história da humanidade. Através do tempo os fatos se repetem, iguais, apenas em cenários diferentes, e no drama, na comédia ou na tragédia, os personagens voltam infinitas vezes ao palco, mudando a indumentária, exibindo uma máscara mais colorida, menos tétrica, menos repugnante, mas, no fundo, repisando os mesmos temas, os mesmos gestos, reproduzindo as mesmas cenas.
O déspota, o tirano, o ditador é igual em todos os quadrantes, e sua distorção, seu impulso, sua ânsia por dominar, por oprimir, por subjugar, são idênticos em todas as épocas, nos tempos antigos e nos tempos modernos. Nero usava uma túnica, com sandálias nos pés desfilava nos palácios, enquanto Hitler, sempre de uniforme e com soturnas botas aparecia aos seus comandados, mas tanto um quanto o outro guardava nas entranhas terrível perversão e uma odiosa sede de destruição e morte.
O omisso, indiferente à conseqüência dos seus atos a tudo que não lhe diz respeito, desde que não afete a sua imagem, o seu cargo, a posição que ocupa, lava as mãos perante uma multidão, não se posiciona diante de terceiros. Cruza os braços e assiste a correnteza passar. Pilatos vive ainda hoje, multiplicou-se, e sobe à tribuna de terno e de gravata.
Transferindo, delegando a outros a decisão que não ousa tomar, ao acaso lança o bem que covardemente não se atreve a desfraldar, e empunhar, como uma bandeira a defender. Pusilânime, medroso, nunca se define, vivenciando uma permanente ambigüidade.
Sempre de espreita, preparando a hora, o lugar, o instante do assalto, o traidor vagueia desde o começo do mundo. De manso se acerca, e no momento exato escancara as fauces e investe, lobo feroz a aniquilar o inocente.
Caim matou Abel, e de sangue do irmão, tingiu o chão do mundo. Brutus apunhalou, pelas costas, Júlio César, em pleno senado, chefiando uma conspiração, e cortando os planos acalentados pelo estadista, hábil político e Imperador de Roma. De tocaia, nas sombras, como rato nos esgotos, o traidor não se mostra, nunca, à luz. Pérfido, se acerca sorrindo, mas nas mãos traz o punhal ou as moedas do perjúrio.
Na infindável procissão de personagens que no palco do mundo repetem gestos, atitudes, distanciados no tempo e no espaço, mas xerox vivos, vestidos de túnicas, de ternos, de tangas, de togas, de uniformes, seda, veludo ou algodão, um nome representa o grupo, Caim, Pilatos, Brutus, Judas. Mas para esse personagem vulgar, que como camaleão muda de cor, e se transforma, e toma a coloração do ambiente por que passa, e se anula e se aniquila, no intuito de favorecer a quem está na cúpula, sobressai e se destaca, confesso que não encontrei o seu representante! Contudo, sempre existiu, em todas as épocas, nos tempos antigos, nos castelos feudais, nos amplos salões, com mesuras, trejeitos, como uma sombra a acompanhar os grandes, os importantes. Como eco, infinitas vezes vai repetindo o sim ou o não, que não destoa, nunca, da voz de quem manda e ordena. Como calango em cima do muro velho, em meneios de cabeça, faz da vida uma afirmativa permanente, sem nunca protestar, discordar, contradizer.
É o sabujo. Faz da lisonja seu constante linguajar, e bajula, e adula, e incensa e descobre no Poder que o atrai e fascina, razão de sobra de mais incenso e mais bajulação. Ri, sem achar graça e sem estar alegre, afivelado ao rosto permanente ritus. E, acocorado, não assume, jamais, a postura vertical! Pode lamentar de ser esmagado, aquele que se faz verme da terra?
(*) Regina Stella (Fortaleza), jornalista e escritora