Junho 2009
Maio, cada vez menos Mês de Maria,
está indo embora...
Na cidade grande, por conta da competição, dos compromissos, cronometrado o tempo e escravo das horas, o homem artificializa a vida, prisioneiro de uma agência de urgências que quase nunca é cumprida satisfatoriamente. Dura a peleja para enfrentar, quase todos se enclausuram numa couraça e se defendem embotando a sensibilidade e fechando o coração. E se bloqueiam, se mimetizam, ocultando aquela face por onde julgam se tornam vulneráveis.
Em prontidão permanente afivelam uma máscara á alma, e se fazem de duros, de secos, amargos e indiferentes aos anseios dos outros, no intuito de não serem perturbados, interrompidos nos projetos a triunfar.. Protocolada, grampeada, dividida em compartimentos, perde a vida a simplicidade, e o homem esquece a alegria de naturalmente viver, de participar do ritual da festa de cada alvorecer, iluminadas as manhãs, plenas de promessa de beleza que se oculta no desdobrar das horas comuns. Artificializada a vida, se transfere o encanto para o que é diferente, inusitado, ao sabor da novidade. Fica preterida a singeleza das pequenas coisas, a magia do que não é requintado mas cheio de um encanto próprio feito de crença, de misticismo, do só acontecer.
Maio vai a meio, quase sendo vencido no calendário. Nele as reminiscências retornam e pedem passagem, como se quisessem cobrar um tempo que na distância se perdeu, sem possibilidade de volta. E me ponho quieta ao vê-las passar, dorido o coração, tantos os instantes de ontem acenando, esfumando silhuetas no estirão do tempo. Um maio de céu azul, de flores, de alegria, de festa.
Não havia o insistente apelo da televisão tiranizando horários, deformando hábitos e empurrando famílias inteiras para os cantos da sala ou dos quartos, atendendo ao persistente chamado para as novelas, escravização coletiva à tela iluminada, amordaçadas platéias,
Imóveis e passivas assistindo a tragédia de desconhecidos personagens. Contrastando, ontem, na lembrança, numa Igreja iluminada, ao som do Órgão, o canto, em coro, enchia a nave inteira, e se embalava a fé na alegria da doce cantilena: “Sancta Virgo Virgimum, ora pro nobis”, “Mater Puríssima, ora pro nobis”, “Turres ebúrnea”, “Foederis arca”... na ladainha à Virgem. Era Maio, o Mês de Maria.
O chamado para a Novena se fazia suave, ao entardecer, no dobrar dos sinos, repicando festivos. E era o encontro dos amigos, a comunicação, os apertos de mão no patamar da Igreja. E se apressavam todos, atentos à cerimônia, às homenagens à Virgem Maria. Então se exaltava o amor, a fidelidade, a amizade, o dever dignificando o homem pela integridade do caráter, pela honradez, pela hombridade. Num ambiente de crença e de fé no amanhã, de mãos dadas, trocavam ternos olhares os eternos enamorados, e por entre os versos da ladainha cantavam o próprio amor e repetiam as juras de benquerer. Doce Maio de sermões da sabedoria bíblica, de incenso e “Tantum ergo”. Terminada a novena, na praça iluminada que cercava a igreja, no vai-vem dos pequenos grupos em volta dos jardins, os furtivos olhares se insinuavam cheios de promessa, acenando esperanças. Tempo feliz, sem artifício, ingênuo e doce.
Diferentes as lições e os estímulos de hoje. Na TV sobressaem a traição, a covardia, o adultério, a ambição, e se destaca como mais inteligente e vencedor aquele que mais engana, o que mais finge e dissimula, o que mais mente. Elegante, rico, vitorioso, o crápula, aquele que leva para si todas as honrarias e as glórias.
Maio agora, uma vez mais no interminável correr das horas, está indo embora, marcado pela ausência do repicar dos sinos, sem as ladainhas, sem os grupos risonhos no patamar das Igrejas. Até onde chegaremos, e até quando resistiremos a este cerco de insídias e às ausências de certezas nas opções a adotar e nos caminhos a seguir.
(*) Regina Stella (Fortaleza), jornalista e escritora