Junho 2013
Dia da Alegria
Tanto mudou o ritmo de vida que a pergunta, inusitada, se apresenta:- Será que a Terra está girando mais depressa, e por isso o tempo encurtou? Os dias são uma sucessão de compromissos a saldar, e como uma ladainha, escrita num missal, se enfileiram nas páginas de uma agenda para não serem esquecidos! Sem ajuda, de cor, impossível guardar na memória!
Fluem os minutos, as horas, e no roldão se vai o tempo, o dia inteiro tomado pelos tratos assumidos! O trabalho, as compras infalíveis, o dentista, a aula de inglês, a academia e quase cronometrado se esfacela, em parcelas, o tempo! Se o cargo é de chefia, mais se dividem as frações com as inesperadas visitas, os assíduos telefonemas, reuniões, os convites sociais, obrigatórios, que por força do ofício urge comparecer.
Perde-se a noção da posse de si mesmo, deixa de ser pessoal e particular o tempo, sempre voltado para algo inadiável, intransferível e urgente! Assoberbado, paradoxalmente nunca se tem tempo, os olhos voltados para o pulso, onde um mostrador gigante, carrasco,expõe os minutos passando, os ponteiros rodando, exigindo a paga dos compromissos, carimbados na agenda quando o dia começou!
Como uma máquina, autômato, escravo dos interesses que criou, pobre mortal, nem se dá conta de que na voragem do tempo está passando a vida! E relegado o coração! Não há tempo para o amigo, a conversa amena é sempre adiada, e protelada a risada com o irmão, lembrando os velhos tempos! Não chega, nunca, a hora tranqüila sem a obsessão dos ´ponteiros, para rir e brincar como antes, um dito, uma piada, simplesmente passar o tempo com aqueles cuja presença não exige artifício e nem formalidade. Ah! o Dia da Alegria, sem a preocupação da importância, do cargo, do que se adquiriu, sem a dissimulação das mesuras e dos trejeitos, onde só o coração é rei, dando acolhida aos sentimentos espontâneos, simples, naturais.
Inesperadamente, certo dia, surpreende a vida com um fato, um acidente, uma trágica ocorrência, uma notícia triste, e ante a ameaça de se perder uma pessoa querida, aquela que o coração tinha elegido como um dos preferidos, se larga tudo, e se corre, pressuroso, trêmulo e ansioso. Todos então se reúnem, só agora relegados o cargo, a repartição, o escritório, as tarefas, o relógio. Os indefectíveis compromissos. Mas, que pena, não é a reunião convocada para o Dia da Alegria, que poderia ter sido na semana que passou, ou um mês antes, entre sorrisos e festa.Então se recordaria passagens da infância e da adolescência, o tempo de colégio, as peripécias dos anos verdes, adoráveis, quando juntos se disputava o travesseiro, o lençol, o par de meia. Em família grande, sempre há o que disputar ou dividir. Voltariam os doces apelidos, outrora detestados: “ei, samangolé”, “ei, bode ouro!”, “ei, potó”, “ei, tronco de amarrar onça”! A resposta não viria com tabefes e socos como antes, quando crianças, mas com o riso franco das lembranças queridas.
Perdido o Dia da Alegria, estremecido o coração, o encontro se faz entre apreensões e lágrimas, tristeza e ansiedade. Em vez da risada, o silêncio, e as recordações se aquietam em cada um, mudas, cabisbaixas, temendo aparecer, com medo que provoquem mais dor e mais saudade.
Ah! cada um deveria instituir seu Dia de Alegria para juntar os mais queridos, e sem pressa simplesmente viver. Usufruir da graça de amar, e contar com a presença daqueles que entre os bilhões que povoam este planeta, o coração elegeu como primeiros e os mais queridos do mundo!
(*) Regina Stella (Fortaleza), jornalista e escritora