Bom dia, sábado, 23 de Novembro de 2024
Casa do Ceará

Imprima




Ouça aqui o Hino do Estado do Ceará



Instituições Parceiras


































:: Jornal Ceará em Brasília


::Odontoclínica
Untitled Document

Julho 2012

Parece que foi ontem...

Ela morava ali, tão perto, e eu nem sabia! E como poderia, se não havia placa na fachada, nem número, sinal algum, alguma cousa que indicasse ou mencionasse, de longe, a possibilidade! Por ali passei, tantas vezes, que até perdi a conta, indiferente, alheia conversando, brincando e rindo de viver. Ninguém me deu, sequer, um aviso, um alerta e bem que poderiam!

Mas vale voltar o relógio. O pensamento é mágico e em segundos traz tudo de volta. A festa começava muitos dias antes.Nos preparativos, além da euforia e da excitação, muito se tinha que planejar. Diferente de hoje, nem tudo era fácil de achar.

Papel de seda, barbante, cordão, bacia, alguidar. Tesoura, vela, barbante, muita lenha. Pote de barro, grande, para o aluá, de prontidão no canto da cozinha. Tigelas, muitas e de todos os tamanhos, de preferência, brancas, para o arroz doce, para a canjica, para o mugunzá. Muito milho, pão dormido, rapadura, batata doce. E, mãos à obra.

- Varre bem esse terreiro, menino, que a festança vai ser toda aí! Afasta os bancos e vamos logo pendurar as bandeirinhas!

Começava cedo o vai e vem, um entra e sai sem fim. No fogão, chiava a panela, na sala, alto o rádio tocava, e cada um que chegava, entrava gesticulando, perguntando, fazendo coro às risadas que vinham lá de dentro, do fundo do quintal: ...é noite de São João o céu está todo estrelado está todo iluminado pintadinho de balão quando eu era pequenino de pé no chão eu cortava papel fino pra fazer balão o balão ia subindo pelo azul da imensidão

O dia inteiro era aquela trabalheira, uma tarefa sem trégua, seqüência infindável de iguarias, tipicamente nordestinas, espalhadas no alto dos móveis da copa e da cozinha, nas mesas, nas prateleiras, que a festa quando começava não tinha hora de terminar. Nenhuma iguaria poderia faltar, e muito menos o aluá e o quentão que prolongavam a animação e a alegria.

Ainda claro, havia um ritual. Começava a arquitetura da fogueira. Tinha que ser especialista o doutor da artimanha. A fogueira tinha que ficar de pé a noite inteira e era preciso habilidade para o fogo ir pegando, devagar ganhando força, se alteando. No início pequeno bruxulear, e depois, gigantesca labareda, lambendo o chão, as hastes finas, as toras, um Deus nos acuda! Ali, se assava a batata doce, o milho verde, e à sua volta se confirmava a velha amizade: “São João disse, São Pedro confirmou, que nós havíamos de ser comadres, que Nosso Senhor mandou”! E nas três voltas em torno da fogueira o pacto se afirmava com o aperto de mão, voto que deveria perdurar a vida inteira.

Já escuro, diante de cada casa uma fogueira se acendia, e a impressão, de longe, era que a rua inteira ardia, labareda na fogueira, fé no coração.

Os convidados iam chegando pouco a pouco, as meninas, os rapazes, os casais de mãos dadas, juntinhos. E o calor da fogueira e o fogo do coração se encarregavam de animar a festa. Um pouco mais, descontraídos, começavam a função: na bacia nova as moças casadoiras… trêmulas, segurando a vela que pingava, tentavam ver, na água, a letra que se ia formando, pouco a pouco, a primeira letra do nome do eleito, com quem partilharia a vida. No espelho virgem, bento na fogueira, levado para o escuro, ali, às escondidas, se poderia ver o semblante de alguém a quem se daria o bem-querer. De repente, no negrume da noite, um vulto se esgueirava, buscando o fundo do quintal. No cerne da bananeira, inteiro, enterrava com ímpeto, o facão, há pouco benzera na fogueira. Ao puxá-lo, milagre, ali fora escrito o nome do amado com quem se casaria.

E prosseguia a dança, ao som da sanfona, da alegria, e a quadrilha se enrodilhava, se desfazia, continuava e tudo era riso e cor, música e euforia. Os olhares se encontravam, enternecidos, e havia uma promessa nas palavras ditas, quase um balbucio, para não quebrar a magia do São João. Poderia ser apenas o começo de uma história linda... As mãos se encontravam, se uniam e havia ali um tácito entendimento, que poderia perdurar, quem sabe? Um depois que chegaria...

Ah! ela morava ali e eu não sabia. E como poderia? Não havia placa, nem número em porta alguma que dissesse da possibilidade! Dona Felicidade cantava, dançava, rodopiava e sorria! Ali, em volta da fogueira, dançava com a vida, e eu não sabia...

(*) Regina Stella (Fortaleza), jornalista e escritora

Untitled Document

Regina Stella S. Quintas
Jornalista e Escritora
studartquintas@hotmail.com

                                            
:: Outras edições ::

> 2015

– Outubro
Camaleões à solta

–Setembro
Um instante de Solidariedade

> 2015

– Novembro
Coronel Chichio

– Outubro
Uma ponte...

– Setembro
Um verbo para o encantamento

Agosto
Há vida lá fora...

> 2014

Setembro
Seca: a tragédia se repete
Agosto
Seca: a tragédia se repete
Julho
Gente brava
Junho
Dia da Alegria
Maio
Precioso bem
Abril
Aquele velho “OSCAR”
Maro
Estórias de sertão, estórias de cangaço
Fevereiro
Recado para quem sai
Janeiro
Rota para a vida

> 2013

Dezembro
Na festa do tempo, um brinde à vida
Novembro
Em velha trova do tempo. Trinta dias tem setembro. Abril, junho, novembro...
Outubro
O Gênio e o Homem
Agosto
O Gênio e o Homem
Julho
Um presente de vida a Mandela!
Junho
Dia da Alegria
Maio
Precioso bem
Abril
Aquele velho “OSCAR”
Maro
Estórias de sertão, estórias de cangaço
Fevereiro
Recado para quem sai
Janeiro
Rota para a vida

> 2012

Dezembro
As lições de amor e ternura fazem eterno o Natal
Novembro
As luzes estão acesas
Outubro
Amarga ironia
Setembro
O trono vazio
Agosto
A última trincheira
Julho
Parece que foi ontem...
Junho
Atores de todos os tempos
Maio
Seca: a tragédia se repete
Abril
Imaginação ou realidade?
Maro
Um Século de Sabedoria
Fevereiro
Trágedia e Carnaval

> 2011

Novembro
Trilhas da vida
Setembro
Um mercenário a caminho
Agosto
Usar sem abusar
Julho
Como as aves do céu
Maio
Quem se lembra de Chernobil?
Junho
Sino, coração da aldeia...
Maio
Maio, cada vez menos Mês de Maria, está indo embora...
Abril
Bonn, Bonn
Fevereiro
Depois da festa...
Janeiro
Um brinde ao Novo Ano

> 2010

Dezembro
Nos limites de um presente,um presente sem limites
Novembro
Homem total
Outubro
Estórias de sertão, estórias de cangaço
Setembro
Um tempo que se perdeu
Agosto
Império do Medo
Julho
Acenos de Esperança
Junho
Maio, cada vez menos Mês de Maria, está indo embora...
Maio
Poema Impossível
Março
Numa tarde de verão
Fevereiro
Caminhos de ontem
Janeiro
Muros de Argila

> 2009

Dezembro
Um Brinde Vida
Novembro
A vez da vida
Outubro
Gente brava
Setembro
Gente brava
Agosto
Lição de vida no diálogo dos bilros
Julho
Camalees solta
Junho
Síndrome de papel carbono
Maio
Um tempo que se perdeu


:: Veja Também ::

Blog do Ayrton Rocha
Blog do Edmilson Caminha
Blog do Presidente
Humor Negro & Branco Humor
Fernando Gurgel Filho
JB Serra e Gurgel
José Colombo de Souza Filho
José Jezer de Oliveira
Luciano Barreira
Lustosa da Costa
Regina Stella
Wilson Ibiapina
















SGAN Quadra 910 Conjunto F Asa Norte | Brasília-DF | CEP 70.790-100 | Fone: 3533-3800 | Whatsapp 61 995643484
E-mail: casadoceara@casadoceara.org.br
- Copyright@ - 2006/2007 - CASA DO CEARÁ EM BRASÍLIA -