Boa noite, sábado, 23 de Novembro de 2024
Casa do Ceará

Imprima




Ouça aqui o Hino do Estado do Ceará



Instituições Parceiras


































:: Jornal Ceará em Brasília


::Odontoclínica
Untitled Document

Julho 2014

Gente brava

Assisti a euforia da partida, a expectativa entre a proeza e o medo, as risadas de quem se propõe a uma travessura, o gosto da aventura.

Diante da imensa massa líquida, ao se quebrar em gigantescas ondas se desfazendo em espuma rendada à beira da praia, o grupo de turistas discutia, brincava, posava para fotografias, aguardando a hora de ganhar o mar, na tosca jangada.

Imponente na sua simplicidade, grandiosa na sua ousadia, a jangada desceu sobre os rolos de madeira até o mar,e deixou que as águas lhe lambessem o dorso, no ritual que se repete a cada dia, antes de se entregar, inteira. Dado o sinal, subiram todos, se agarrando ao mastro, ao samburá, aos rudes bancos, desajeitados, acenando, gesticulando, rindo.

Aberta a vela ao vento, pronta para seguir e já tomando o rumo, a jangada se empinou diante da primeira onda que lhe lavou o piso. E correndo, veloz, foi singrando, enfrentando as ondas, uma a uma vencendo. Subindo à crista e tombando, se alteando e caindo, avançou mar a dentro, na galhardia com que responde à carícia que lhe dá o vento.

Distraída com a paisagem linda à minha volta, o coqueiral, o trabalho das rendeiras nas choupanas de palha, perdi as horas, e nem sei quanto tempo velejou!Quando me dei conta, a jangada já estava voltando! Aliviada, suspirei, tanto eu sabia quão eram despreparados aqueles turistas, para enfrentar o mar numa rude embarcação.

Mais agitado, o mar refletia, cinzento, o céu, e nuvens escuras se formavam, ameaçando chuva. Intimamente me alegrava com a volta, e parei para vê-los, tensa e medrosa ante as águas encrespadas. Foi quando, estupefata, presa a respiração, vi a gigantesca onda que se erguia, bem à retaguarda, e ameaçava, açoitando a embarcação! Em segundos se levantaram as águas, verdadeira muralha, e a onda quebrou, forte, erguendo a jangada e, arremessando-a! Sob o impacto, casca de noz, oscilando, se inclinou mais para um lado, e despencou, lentamente, a branca vela! Virou a jangada! De longe se podia avaliar o pânico, e ver os corpos que se jogavam nágua. Num emocionante gesto de solidariedade, como se houvesse uma prévia combinação, a pequena multidão que, da praia, acompanhava a luta desigual, lançou-se ao mar, nadando ao encontro dos náufragos, obedecendo a um irresistível impulso de recorrer e salvar.

Fora o pânico, os gritos, o nervosismo, a palidez de cera nos rostos aturdidos, apenas algumas escoriações provocadas pelo forte roçar das cordas e pelos paus quebrados, resultaram do passeio que poderia ter terminado em tragédia.

Cabisbaixo, mudo, sem palavras, numa tauaçú na branca areia, o jangadeiro tinha o olhar longe, perdido no vasto mar. O susto, a ameaça a tantas vidas sob a sua guarda, e o sentimento irremediável de perda, reduzida a destroços a jangada, a custo retirada do mar, davam-lhe a exata medida da fragilidade em que se firmava a sua vida. Para sobreviver, dependia, e constantemente suplicava ao vento, às águas, às chuvas, ao mar que fossem brandos .E a Deus, que minorasse a expectativa de cada dia, sempre ameaçado!

Circunstancialmente, ali se haviam juntado dois mundos, diferentes, e apenas por instantes dividiram preocupações e falaram a mesma linguagem. Um, de progresso, conforto e lucro fácil, de longe viera para desfrutar, como aventura, o quotidiano do outro, carente e dependente. Um, forte e bem nutrido, usufruía como diversão, de uma obstinada decisão de sobreviver, do outro, temperada em maresia, no sol a pino, nas frias madrugadas em alto mar. Da difícil peleja, tinha no rosto profundos sulcos, e calejadas as mãos. Nunca soubera de escola, de máquina de escrever, de computador!

Herói, o jangadeiro! Brava gente do mar! Sobrevive pela obstinação da própria vida em resistir, mesmo que, para mantê-la, tenha que arriscá-la a cada dia!

Terrível paradoxo, pensei, ao vê-lo calado, cismando, olhando o mar, se quebrando as ondas, uma a uma..E diante de tanta injustiça me acerquei, sem saber se deveria pedir desculpas ou perdão.

(*) Regina Stella (Fortaleza), jornalista e escritora

Untitled Document

Regina Stella S. Quintas
Jornalista e Escritora
studartquintas@hotmail.com

                                            
:: Outras edições ::

> 2015

– Outubro
Camaleões à solta

–Setembro
Um instante de Solidariedade

> 2015

– Novembro
Coronel Chichio

– Outubro
Uma ponte...

– Setembro
Um verbo para o encantamento

Agosto
Há vida lá fora...

> 2014

Setembro
Seca: a tragédia se repete
Agosto
Seca: a tragédia se repete
Julho
Gente brava
Junho
Dia da Alegria
Maio
Precioso bem
Abril
Aquele velho “OSCAR”
Maro
Estórias de sertão, estórias de cangaço
Fevereiro
Recado para quem sai
Janeiro
Rota para a vida

> 2013

Dezembro
Na festa do tempo, um brinde à vida
Novembro
Em velha trova do tempo. Trinta dias tem setembro. Abril, junho, novembro...
Outubro
O Gênio e o Homem
Agosto
O Gênio e o Homem
Julho
Um presente de vida a Mandela!
Junho
Dia da Alegria
Maio
Precioso bem
Abril
Aquele velho “OSCAR”
Maro
Estórias de sertão, estórias de cangaço
Fevereiro
Recado para quem sai
Janeiro
Rota para a vida

> 2012

Dezembro
As lições de amor e ternura fazem eterno o Natal
Novembro
As luzes estão acesas
Outubro
Amarga ironia
Setembro
O trono vazio
Agosto
A última trincheira
Julho
Parece que foi ontem...
Junho
Atores de todos os tempos
Maio
Seca: a tragédia se repete
Abril
Imaginação ou realidade?
Maro
Um Século de Sabedoria
Fevereiro
Trágedia e Carnaval

> 2011

Novembro
Trilhas da vida
Setembro
Um mercenário a caminho
Agosto
Usar sem abusar
Julho
Como as aves do céu
Maio
Quem se lembra de Chernobil?
Junho
Sino, coração da aldeia...
Maio
Maio, cada vez menos Mês de Maria, está indo embora...
Abril
Bonn, Bonn
Fevereiro
Depois da festa...
Janeiro
Um brinde ao Novo Ano

> 2010

Dezembro
Nos limites de um presente,um presente sem limites
Novembro
Homem total
Outubro
Estórias de sertão, estórias de cangaço
Setembro
Um tempo que se perdeu
Agosto
Império do Medo
Julho
Acenos de Esperança
Junho
Maio, cada vez menos Mês de Maria, está indo embora...
Maio
Poema Impossível
Março
Numa tarde de verão
Fevereiro
Caminhos de ontem
Janeiro
Muros de Argila

> 2009

Dezembro
Um Brinde Vida
Novembro
A vez da vida
Outubro
Gente brava
Setembro
Gente brava
Agosto
Lição de vida no diálogo dos bilros
Julho
Camalees solta
Junho
Síndrome de papel carbono
Maio
Um tempo que se perdeu


:: Veja Também ::

Blog do Ayrton Rocha
Blog do Edmilson Caminha
Blog do Presidente
Humor Negro & Branco Humor
Fernando Gurgel Filho
JB Serra e Gurgel
José Colombo de Souza Filho
José Jezer de Oliveira
Luciano Barreira
Lustosa da Costa
Regina Stella
Wilson Ibiapina
















SGAN Quadra 910 Conjunto F Asa Norte | Brasília-DF | CEP 70.790-100 | Fone: 3533-3800 | Whatsapp 61 995643484
E-mail: casadoceara@casadoceara.org.br
- Copyright@ - 2006/2007 - CASA DO CEARÁ EM BRASÍLIA -