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Janeiro 2011

Acopiara - não é só mineiro que é desconfiado

Aqui em Acopiara, no Bar do Sheraton ou no Bar do Hilton, tudo acontece no tempo certo, sem pressa ou atropelo. Aqui parece que todo mundo é igual mesmo os diferentes.

Conta a lenda que dos brasileiros, o mineiro é o mais desconfiado; o baiano, o mais preguiçoso; o carioca, o mais malandro e “ixperto”, o paulista, o mais arrogante e brega; o cearense, o mais judeu; o gaúcho, o mais grosso; o piauiense, o mais humilde; o sergipano, o mais serviçal e por aí vai.

Carioca chama de moço ou cara quem não conhece; paulista, de mano ou meu, cearense, de macho ou cabra; gaúcho, de tchê, paraibano, de Zé; bahiano, de meu rei; brasiliense, de véi; mineiro, de sô; goiano, de Mané; Catarina, de manezim, e segue o enterro.

Sei de um território em que você vai a um botequim, tomar um chope e comer um bolinho de bacalhau, e ninguém quer saber quem é você, de onde você veio, para onde vai, o que faz. Ninguém fala de si. Ninguém quer ouvir. Se falar, fudeu! Se vende seguro, imóvel, carro, consórcio, jazigo, etc e tal, cale-se ou reduza-se à sua insignificância. Se quiser abrir a caixa de conversa, fale do trivial, do banal, da bacanal dos bacanas, dos casamentos das celebridades, da viadagem, de roubos e assaltos, das cagadas das modelos e do futebol com suas paixões incontroláveis Fala-se o necessário. Responde-se o que for perguntado, com muita ciência. Na dúvida, aplica-se a versão da lei do morro: não sei, não vi, não conheço, com os acréscimos legais: não tô nem aí e me inclua fora dessa.

Finda a viagem ao mundo encantado do boteco, você se despede ou sai de fininho, depois de pagar a conta, claro, cansado de jogar conversa fora.

Alguém pergunta seu nome, você na cara de pau solta um Palhares, um Pederneiras, um Vasconcelos, cheio de esses e chiados. Falso. Se você pede um cartão de visita, o moço lhe entrega um com o nome de guerra ou um outro sobrenome básico. Falso. Você supostamente estranha. ele também, ai você pede para por o telefone, ele põe um número qualquer. Falso.

Você pede o email, ele acrescenta. Falso. Você então pergunta onde mora: “Bem ali, logo ali, ai mais adiante, depois daquela rua” e dá o endereço errado.

Na despedida, dispara um festival de porralouquice: “apareça lá em casa, Depois agente se fala. A gente se fala pelo telefone. Manda um email pra mim” Tudo sabidamente impossível Estica a expertise “A gente se vê por ai, em qualquer boteco, dia, hora, esquina, aeroporto, subsolo do prédio, estacionamento de supermercado, praia, garagem, etc e tal” Coisa que pode acontecer ou não. Começa tudo de novo, sem essa de cobrança ou de passado.

Conheço outro território onde dizer qual o cargo que ocupa e onde mora pode ser fatal para quem habita o andar de baixo. Ninguém se livra da pergunta, mas a resposta significa uma senhora discriminação, que leva a autoridade menor a ficar perdida, igual a mãe de São Pedro. Dizer seu nome é irrelevante. Nome de família, muito menos. Que fez na vida pregressa, só interessa a ABIN. Ninguém pergunta se foi demitido por concussão, se freqüentou a Papuda, se tem passagem pela PF, se foi indiciado, isto é, se sujou os dedos. A pergunta sobre o cargo, o “qi”(quem indiciou) e o endereço é feita na maior caradura e, dependendo da resposta, o véi sai de fininho e deixa o outro véi sozinho no meio da sala ou salão.

Neste país, em que proliferam otoridades, políticos e lobistas, a corte tem o seu código e a sua conduta. Qualquer erro é fatal. Cochicha-se, usam-se sinais e símbolos cifrados, esquadrinhando e esquartejando o orçamento. O magnata desembarca num carrão e adentra ao restaurante, impávido, onipotente, magnífico, olhando pra tudo que é lado para ser visto por sua sombra, muitas vezes usa dois/três celulares, reclama de tudo, do uniforme do garçon ao atraso do serviço. Releva é generoso com o maitre quando o trata pela marca que ostenta na nomenclatura.

Ouvi falar de outro cenário em que a chave é o tipo de viatura do mano e quanto consta no holerite. A pergunta é feita na lata, no meio do chops (o plural é porque o copo equivale a dois copinhos), do bauru, do pastel, do pãozinho com salsicha, asinha de frango ou lingüiça. É muito comum em festas de playground, em que o inquilino ou eventual proprietário põe bermudão, exibe nariz de palhaço, chapeuzinho de palhaço e sopra língua de sogra, no aniversário do maninho, gordinho de apartamento, incrementado com camisa, shorts (o plural é porque tem duas pernas), meia e chuteira curintiana! Se é em restaurante, fala alto, no celular grita, esculacha o garçon, junta mesas sem pedir licença, distribui esporro e reclama do serviço, da baianada do lado, da conta. Nos casarões, nos jardins, cercados de câmeras, agentes duplos, todos de luto, a desconfiança é compulsiva.

No Ceará, o macho fica embevecido quando vê um “estrangeiro”, nacional ou importado. Bota a mão pra trás e fica ouvindo o besteirol, fingindo que está ligado. Se for gringo, presta atenção a tudo o que macho fala sem entender porra nenhuma. O nosso nativo fuleiro, porém tem a mania de chegar no bar, na barraca, na praia, exibir o bigodim, rodapé de priquito, o papudim, a protuberância, com meia camiseta, bermudão, chinelão ou genérico de havaiana. Empanturra-se de cerveja, enquanto esculacha o raparigal, vomita fuleiragem, exibindo a chave do carro velho em cima da mesa. No fim de noite, vira pé de molambo ou capota todo enfeitado de chifrudo.

Tais padrões fazem parte do jeito e da maneira de ser desta brava gente brasileira, a fina flor dos Ponte Preta, dos Macunaimas.

Não vale a regra dos Mosqueteiros: todos por um. Nem a filosofia de Robin Wood: tirar dos ricos e dar aos pobres. Aqui vale a lei de Murici cada um cuida de si. Ou a lei de Kal: cada qual com seu cada qual.

Os outros, como eu, que tiremos nossas conclusões idiotas. Vejo como escudo, proteção, medo, cagaço, reações espontâneas diante da violência e das vilanias do mundo real, nas ruas, televisão, trabalho e lazer. No faz de conta, todo mundo deixa a vida lhe levar não sabe pra onde e agradece por tudo que Deus lhe deu. É difícil saber viver.

Querer achar massa crítica nesta horta é procurar o tempo perdido.

JB Serra e Gurgel (Acopiara), jornalista e escritor.

 

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JB Serra e Gurgel
Jornalista e Escritor
http://www.cruiser.com.br/girias
gurgel@cruiser.com.br


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