Fevereiro 2013
José de Alencar e a língua portuguesa
Muitos escreveram tentando diminuir a dimensão de José
de Alencar na língua portuguesa e brasileira, no romance
português e brasileiro, na literatura portuguesa e brasileira.
Trata-se de anacéfalos, ignorantes, analfabetos de pai e mãe,
botas e esporas, ou analfabetos funcionais, cujos exércitos
zumbem pelo Brasil. “José de Alencar é o patriarca da
literatura brasileira”, com seu romance urbano, romance
histórico e romance regionalista. Este reconhecimento
empolga o Ceará, mas não se transfunde na comunidade
brasileira, por resistências bairristas e mesquinhas. Nós
cearenses, que também somos alencarinos, como espécie,
enxergamos longe o processo de desconstrução de José de
Alencar, a partir da farsa de que não fora um abolicionista
convicto, embora como Ministro da Justiça do Império tenha
assinado em 1868 a lei que proibia a venda de escravos
sob pregão e sua exposição ao público. Machado de Assis,
mulato, fora omisso e distante.
São os mesmos que ignoram o talento de Machado de
Assis, Lima Barreto, Rachel de Queiroz, Clarice Lispector,
Cecília Meirelles, Jorge Amado, Adonias Filho, Arthur
Ramos, Graciliano Ramos, Gilberto Freyre, Darcy Ribeiro,
Sérgio Buarque de Holanda, Anibal Machado, Guimarães
Rosa, Fernando Sabino, Vinicius de Moraes. Cyro dos Anjos,
Carlos Drumond de Andrade, Otto Maria Carpeaux, Josué
Montelo, Vianna Moog, Erico Veríssimo, R. Magalhães
Jr., Gustavo Barroso, Roberto Campos, José Guilherme
Merquior, Roberto da Matta, Gonçalves Dias, Castro Alves.
No final de seu livro Diva (1864), ano de seu casamento
com D. Ana Cockrane, filha de um médico inglês, descendente
do almirante Cockrane que participou das lutas da
Independência, José de Alencar escreveu o “Pós-escrito”
que é um manifesto em defesa da língua portuguesa e
uma “Nota” em que esclarece os significados de apenas 17
palavras em Diva, que são neologismos e não galicismos ou
gírias. Em principio, quis protestar contra pseudos galicismos
contidos em Lucíola e Diva, identificados pela crítica. Mas
em realidade, fixou os parâmetros de sua obra em termos de
frase e estilo. Como dominava a língua, seu conteúdo e sua
práxis, demarcou o território de seu tempo e sua presença na
literatura portuguesa, refutando enquadramentos.
A partir da confissão de sentir “a necessidade de confessar
um pecado seu: gosta do progresso em tudo, até mesmo na
língua que fala. Entende que sendo a língua instrumento do
espírito não pode ficar estacionária quando este se desenvolve.
(...) A língua rompe as cadeias que lhe querem impor, e
vai se enriquecendo já de novas palavras já de outros modos
diversos de locução. A língua é a nacionalidade do pensamento
como a pátria é a nacionalidade do povo. Da mesma
forma que instituições justas e racionais revelam um povo
grande e livre, uma língua pura, nobre e rica anuncia a raça
inteligente e ilustrada”.
“A linguagem literária, diria ele, escolhida, limada e
grave, não é por certo a linguagem cediça e comum, que se
fala diariamente e basta para a rápida permuta das ideias: a
primeira é uma rate, a segunda é um simples mister”.
José de Alencar assinala que “Gil Vicente não seria
aplaudido se em seus autos falasse a linguagem do tempo de
D.Dinis (...) Mas escritor algum, fosse ele Homero, Virgilio,
Dante ou Milton, seria capaz de fazer parar ou retroceder
uma língua”. A linguagem do próprio Shakespeare seria
anacrônica se não fosse atualizada, tarefa a que se impõem
os adaptadores de seus espetáculos e que dão vida a Hamlet,
Otelo, Romeu...
O quinhentismo que dominou por um século a língua
portuguesa passou, mas “o estilo quinhentista tem valor
histórico: é um estudo de costumes que no romance do
gênero adquire subido valor, como provaram Alexandre
Herculano e Rebelo da Silva”.
Há entretanto um distanciamento de estilo entre José de
Alencar (1829-1877) e Eça de Queiros, (1845-1900) os dois
grandes gênios da literatura portuguesa, do século XIX.
Há em José de Alencar o apuro, o esmero e a lapidação
da língua, não importa o contexto. Ele não vulgariza nem
barbariza. Mantém o que considera seu estilo límpido e
cristalino, sem perder a ternura com a língua falada. Já Eça
de Queirós tem na tessitura dos seus romances, escritos à
distância de Portugal, mas dentro dele, o rompimento de
todos os padrões do romantismo clássico, mostrando pela
ótica do neo realismo, as entranhas do povo portugues, suas
grandezas e misérias. Sua linguagem não vulgariza nem
barbariza, mas se aproxima da língua falada, com muitos
calões, que renovam a linguagem.
Se não há referências a Alencar nos escritos de Eça, mas
há em relação à Machado de Assis que o acusou de plágio,
sendo duramente retrucado.
Ambos foram estadistas, Alencar como deputado e
ministro da Justiça, Eça como diplomata em Havana,
Londres e Paris.
Na “Nota” de Diva lá estão os neologismos, com ampla
satisfação aos críticos que viram na acusação de galicismo
uma forma de diminuir a importância de Alencar. As
notas são relevadoras das preocupações de Alencar com
a lexicografia e a etimologia, entregando aos leitores de
forma esmiuçada a origem de algumas palavras como núbil,
escumilhar, pubescência, exale, palejar, fado, gárceo,
garrular, Olimpio, elance, rutilo, rogaçar, frondes, aflar,
rubescência e fervilhar.
(*) JB Serra e Gurgel (Acopiara), jornalista e escritor.