Setembro 2011
Como o Ceará libertou seus 30 mil escravos
Ingleses, franceses, espanhóis, holandeses e portugueses,
numa ponta e reinos africanos, noutra, ganharam vendendo
e comprando escravos. Era um importante item do comércio
internacional na época. Comércio tão sujo como a corrupção
dos novos tempos, no Brasil, na India, no Afeganistão, no
Paquistão e no Nordestão.
Barão de Studart e Rodolfo Teófilo concordaram que em
25.03.1883, quando o Ceará libertou seus escravos, contava
apenas 30 mil numa população de 721 mil habitantes. O
Censo de 1872 contou 31.913 e o de 1881 24.463 cativos
e 7.436 livres. Não eram muitos, pois o Ceará não tinha
cana de açúcar, minas e gado que exigissem mão de obra
intensiva.
O “Libertador” em 01.01.1884, localizou os 21.516
escravos no Ceará: Fortaleza/Messejana, 1.273; Aracati/
União/Jaguaruana, 1.159; Granja/Palma/Coreaú, 1.250;
Acaraú, 440; Aquiraz, 449; Acarape/Redenção, 115; Assaré,
512; Barbalha/Missão Velha, 512; Baturité, 789; Canindé/
Pentecoste, 516; Cascavel, 807; Crato, 835; Icó, 731; Ipu,
736; Imperatriz/Itapipoca, 882; Jardim 446; Jaguaribe/
Cachoeira/Solonópole, 608; Limoeiro do Norte, 608;
Lavras da Mangabeira, 768; Maranguape/Soure/Caucaia,
847; Maria Pereira/Mombaça, 438; Milagres, 586; Morada
Nova, 367; Pedra Branca, 157; Pacatuba, 298; Pereiro, 465;
Quixeramobim, 1.924; Quixadá, 298; São Francisco/Itapagé,
427; São Bernardo/Russas, 1.972; Santa Quitéria, 820;
Santana do Acaraú, 941; São Mateus/Jucás. 499; Saboeiro/
Brejo Seco/Brejo Santo, 1.130; São João do Príncipe/Tauá/
Arneiroz, 1.956; São Benedito/Ibiapina, 135; Telha/Iguatu,
251; Trairi, 249; Tamboril, 614; Viçosa do Ceará, 323 e
Várzea Alegre, 153.
Como Acopiara era então Lages, distrito de Telha/Iguatu,
não há precisão sobre quantos acolheu.
“No porto do Ceará não se embarca mais escravos”.
A frase é atribuída a Chico da Matilde, Francisco José do Nascimento, por José do Patrocínio mais tarde batizado Dragão do Mar, jangadeiro de Aracati, prático-mor, prático da barra,
convocado por Pedro Artur de Vasconcelos e José Napoleão
para trancar o ´porto a partir de 30.08.1884, por sua liderança
junto aos praieiros, não se embarcando e não se desembarcando.
Nesta época, não havia atracadouro em Fortaleza. Os navios
ficavam ao largo e o desembarque era complexo, através de
jangadas e barcos a remo. Em 30.08.1881, Tentaram embarcar
210, mas Dragão do Mar com seus homens impediram. Conflito
com os escravocratas, mas a polícia ficou do lado dos jangadeiros.
Consequência: Dragão do Mar foi demitido das funções
de prático-mor . Houve reações, protestos dos comerciantes,
pressões junto ao Governo provincial e denuncias de abusos
junto ao governo do Império. Mais tarde, em 1883, Dragão do
Mar foi suspenso de suas funções de prático da barra, “resta-
-me agora fechar as minhas contas com os meus gratuitos e
covardes inimigos”.
Em 30.11.1882, José do Patrocinio, o “Marechal Negro”,
líder abolicionista do Rio de Janeiro, desembarcou em Fortaleza,
com Alipio Teixeira, seu colega da Gazeta da Tarde,
tendo calorosa acolhida da Libertadora, o Centro Abolicionista
e do Clube dos Libertos. Num encontro com Dragão do Mar,
indagou: “então, o porto está mesmo bloqueado?” A resposta:
“não há força neste mundo que o faça reabrir ao tráfico negreiro”.
A presença de Patrocinio em Fortaleza teve impacto, com
manifestações no Passeio Público, vitrine da pequena cidade.
O “Libertador” repercutiu a visita e os abolicionistas marcaram
para 1° de dezembro a libertação dos 32 escravos em Acarape/
Redenção, iniciando a onda emancipacionista. Começaram a
recolher dinheiro para comprar as alforrias. Uma delas , de um
conto de réis (1:000$000), veio do Imperador dom Pedro II
para a Sociedade Cearense Libertadora , sacada do Banco do
Brasil contra os srs. Pereira Carneiro &Cia, de Pernambuco,
Acarape/Redenção libertou e ficou como símbolo da
emancipação, com a presença de José do Patrocínio que retornou
ao Rio de Janeiro em 10.01.1883 e que cunhou a expressão que o Ceará era a “Terra da Luz”, que nos acompanha há mais de um século, exprimindo o que vira no Ceará. Daí
pra frente, cada município foi repetindo o gesto: Pacatuba,
Arrarial/Uruburetama, São Francisco/Itapagé, Imperatriz/
Itapipoca, Canoa/Aracoiaba, Baturité, Icó, Tauá. Maranguape,
Aquiraz, Sobral, Trairi, Santa Quitéria, Aracati,
Cachoeira, Lavras, Tamboril, Santana, Independência,
Camocim, Cascavel, Morada Nova, Acaraú, São Bernardo
de Russas , Granja.
O movimento ganhou impulso. Joaquim Nabuco , de
Londres, ao tomar conhecimento do que aconteceria no
Ceará em 25 de março de 1885 “Chega-me de diversas
partes a noticia de que no dia 25 de março a província do
Ceará ficará para sempre, livre da desonra e do opróbrio da
escravidão. Não há em nosso passado desde a Independência
uma data nacional igual à que a providencia do Ceará
vai criar”. E criou. Coube ao presidente da Província , o
baiano Sátiro de Oliveira Dias, com muita pompa, ênfase,
púrpura da igreja, salvas, bandeiras, flores, trombetas e
tiros, na Praça Castro Carreira, anunciar: “A Província do
Ceará não possui mais escravos”. O grande ausente foi
Dragão do Mar que embarcara para o Rio de Janeiro, em 14
de março, tendo sido recebido por dom Pedro II. Em Paris,
José do Patrocínio reuniu a imprensa francesa, anunciou
o feito e leu um cartão de Vitor Hugo: “Uma Província
do Brasil acaba de declarar extinta a escravidão no seu
território. Para mim a notícia é extraordinária”.
Depois do Ceará, o Presidente da Província do Amazonas,
o cearense Teodoro Barreto de Farias Souto, fez
idêntica proclamação em 20 de junho. Mais tarde, Pará,
Pernambuco, Bahia e Rio Grande do Sul.
É bom que as gerações atuais, tão despolitizadas e anestesiadas
pela política de baixo nível das elites brasileiras,
tomem conhecimento dos feitos de seus antepassados.
JB Serra e Gurgel (Acopiara), jornalista e escritor, com base em Djacir Menezes e Raimundo Girão.