Novembro 2012
O acopiarense Vicente dos dez mares e oceanos
Alguns amigos tem me dito com alguma ênfase e credulidade que o Ceará foi colonizado por ciganos e marranos. Claro que não acredito.
Tenho procurado me inteirar e conferir informações.
O embaixador Rubem Amaral Junior, um curioso das coisas do Ceará, mas erudito, me disse: “ não creio que a eventual contribuição desses contingentes étnicos no Ceará tenha sido maior do que em outros Estados ao ponto de justificar a assertiva de que o Ceará foi colonizado por ciganos e marranos. É tão absurdo quanto dizer que o Brasil o foi. Talvez essa ideia seja alimentada pelo caráter andejo do cearense, que se pode encontrar nos rincões mais esconsos do mundo, angariando-lhe o epíteto de “Judeu brasileiro”. Mas isto, a meu ver, nada tem a ver com etnia, mas sim com as inclemências do meio, que forçaramn boa parcela de seu povo a emigrar em busca de melhores oportunidades”.
Recentemente, li três livros importantes sobre nosso interior cearense e confesso que nada encontrei sobre as assertivas: as “Notas de Viagem”, de Antonio Bezerra, UFC, 1960, “Os Aborígenes do Ceará”, de Carlos Studart Filho, UFC, 1965, e “A Abolição no Ceará”, de Raimundo Girão, edição da Secretaria de Cultura do Estado do Ceará,1969.
Antonio Bezerra percorreu palmo a palmo das localidades do Oeste do Ceará, de Camocim aos Inhamuns, descendo pelo lado cearense da Ibiapaba, e não faz menção a ciganos e marranos. Não sei se se esconderam dele, temendo que fosse “Inquisidor”. Carlos Studart Filho, com uma chuva de dados, detalha a presença das comunidades indígenas no Ceará, todas as tribos: tupis, cariris, tremembés, tarairius e jês. Seu livro honra a bibliografia cearense. Raimundo Girão, por sua vez,aponta onde estavam e quantos eram os negros que chegaram ao Ceará,no período da escravatura, e quando nos antecipamos na libertação deles não chegavam a 35 mil.
“Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal, foi secretário de Estado do Reino durante o reinado de D. José I (1750-1777), acabou com a escravatura em Portugal Continental em 1751, tolerou a Inquisição que foi até 1821, e depois do Teremoto de Lisboa de 1775, expulsou os jesuítas de Portugal e das suas colónias, e responsabilizou ciganos e marranos pelas trágicas consequências. Ato seguinte, expulsou- os do território português e os mandou para o Brasil e África.Pois o que se diz é que o tal Marquês de Pombal, após o Terremoto de Lisboa de 1755, responsabilizou os ciganos e marranos pelas trágicas consequências, já que não podia responsabilizar a natureza. Ato seguinte, expulsou-os do território português e os mandou para o Brasil e África.
Em 1755, o Ceará contava com cerca de 125 mil habitantes e era território anexado à capitania de Pernambuco, por onde teriam entrado os ciganos e marranos. Só nos tornamos independentes de Pernambuco em 1799 por carta régia da Rainha D. Maria I. Pombal morreu em 1782.
Os marranos, seriam cristãos-novos, judeus, que trocaram seus sobrenomes por Carvalho, Pereira ou Oliveira, etc.
Lina Gorenstein, em “Brasil Marrano: as pesquisas recentes” e Anita Novinsky, em “Inquisição: prisioneiros do Brasil (sec. XVI-XIX)”, começaram a decifrar a presença dos marranos no Nordeste, especialmente Pernambuco, Paraíba e Bahia. Muitos dados reveladores sobre suas intervenções no Nordeste, especialmente nos engenhos de cana de açúcar, suas relações com a comunidade judia mundial. Uma informação anotada é a de que para o século XVIII os cristãos-novos representavam 10% da população livre no Nordeste. Nenhuma das duas pesquisadoras menciona o Ceará.
Vinícius Barros Leal, médico e historiador cearense, escreveu na Revista do Instituto do Ceará, em 1975, o artigo “Os Cristãos novos na formação da família cearense”.
“O Ceará, certamente por sua pequena população, pobreza de recursos e desinteresse mesmo dos inquisidores foi deixado à margem (sic!).
Contribuiu este esquecimento das terras cearenses pela Inquisição para incrementar as transferências disfarçadas de numerosas famílias cripto judaicas da Paraíba e de Pernambuco para nossa terra. Esta migração está bem documentada nos livros de registros paroquiais. Aí aparecem todos aqueles apelidos comuns aos judeus da região. São numerosos os Fonsecas, Henriques, Regos, Pinto, Nunes, Mesquita, Rosa, Antunes, etc.” Agradeço ao Renaldo Lima pela pesquisa.
Ainda é muito pouco para se falar na presença de marranos na civilização cearense.
Sobre a presença dos ciganos no Ceará, povo nômade que se agrupou na Índia e depois se instalou em vários países europeus, sendo perseguidos desde Pombal até Hitler, infelizmente os dados são ainda escassos. Li em “O Povo” e no “Diário do Nordeste” que haveria comunidades ciganas em Sobral e no Crato. Seriam de ciganos já incorporados ao povo do Brasil, sem as características dos nômades que conhecemos no interior do Ceará, vendendo cavalos e gado para sobreviver. Diziam que eram produtos de roubo. Não subscrevo. Agradeço ao Luiz Pinto pelo trabalho de Rodrigo Correa Teixeira, “Historia dos Ciganos no Brasil”, em que o Ceará não é mencionado nem mesmo no período pós Terremoto de Lisboa.
(*) JB Serra e Gurgel (Acopiara), jornalista e escritor.