Bom dia, quinta-Feira, 21 de Novembro de 2024
Casa do Ceará

Imprima




Ouça aqui o Hino do Estado do Ceará



Instituições Parceiras


































:: Jornal Ceará em Brasília


::Odontoclínica
Untitled Document

Janeiro 2013

Rota para a vida

Não foi por outro motivo, senão pura curiosidade, a escolha daquele de capa amarfanhada, gasta e um tanto rota, entre tantos livros enfileirados e de bonita encadernação.

Era um dia de chuva e a indolência enrodilhada como um gato angorá, dengoso, caviloso, era um convite insistente para ficar quieta, sozinha num canto, sem compromisso, deixando o tempo passar.

Naquela casa, grande como um convento, o gabinete era um apelo àquela tarde fria. Talvez o aconchego do jacarandá das paredes e prateleiras junto ao calor que emprestam os livros, presença viva de gente que passou, de idéias que esperam vez de tomar forma e pacientemente aguardam o instante de falar.

O livro de lombada branca, cinza agora pelo uso, encolhido, foi uma insinuação da ociosidade. Puxei-o, convinha ao momento de lazer, com uma capa que espicaçava a curiosidade e divertia. Adolescentes vestidas de gueixas, de olhos ternos e atitudes suaves, eram ali, palhaços, que um espírito galhofeiro se propusera a transformar. Sorridentes, seriam lindas, mas uma caneta azul, gracejando, em traços fortes pusera um bigode gordo sobre o riso doce, óculos grossos nos olhares ternos, cavanhaque nos queixinhos finos e barba espessa nas carinhas meigas. Algumas, banguelas, provocavam de imediato o riso, e o livro, fosse lá o que fosse, já preparava bem o espírito aventureiro na tarde chuvosa, descompromissada, para aceitar a mensagem.

Abri e comecei a folhear, sem pressa, página por página. Frases esparsas, anotações nos cantos das folhas, telefones, sinais, códigos, rascunhos de bilhetes, lembretes para festas e convites, horários de médicos e dentistas. Não teria segredo, pensei, caso contrário, ali não estaria. E, pelo prazer de divertir, satisfiz a curiosidade. Era uma agenda antiga, de anos passados. Ali, espremida entre mil livros, uma vida retalhada em dias, em horas, em compromissos, em planos. Uma lista que parecia não ter fim, de amigos, diferentes quanto às idéias, gostos e profissão, numa incontestável prova de abertura. E anotações nas setenta páginas disputavam a atenção, em letras maiores e menores, se misturavam numa algaravia de projetos, compromissos, dias de aniversário. A obrigação de comprar um batedor de carne e um casamento para o mesmo dia brigavam pela preferência. Listas de compras, listas de material de construção. Inaugurações a comparecer. Empréstimos a serem pagos no banco em dias exatos, sugestões para bem decorar um ambiente. Endereços da França e da Suécia, endereços do Sul e do Nordeste. Contas, pagamentos, Projetos de assistência a entidades filantrópicas. Coquetéis. Palestras. Conferências na Universidade

Uma vida cronometrada. O tempo em pedaços, esmiuçado, dividido. Retalhos do quotidiano, alguns valiosos, outros, no entanto, farrapos esgarçados, já rasgados na poeira do tempo.

Fechei a agenda. E um gosto amargo me subiu à boca. Será, pensei, que, cegos, deixamos que a vida, dom precioso, se escoe assim em pedaços de nada? Da minha amiga, ali ao meu alcance, um ano de vida. Outras agendas se juntariam àquela, outros anos seguindo uma seqüência, a vida se indo! E as indagações, perguntas de dedo em riste se me apresentaram, pedindo conta, cobrando, exigindo pagamento pelo tempo. Teria que responder por uma vida que não era minha, mas que inconscientemente eu transferia.

Se lhe fosse possível recuar no tempo, repetiria os mesmos fatos? O que restaria naquela velha agenda cinza? Teria dado toda intensidade e brilho às ações a que se propusera? Teria exaurido de si mesma todas as possibilidades e aproveitado todo o seu potencial de energia? Ou o tempo fora malbaratado, displicentemente gasto?

Como água nas mãos que não se pode reter, o tempo se escoa, bem ou mal empregado. Se se juntou experiência, fortuna que nem os anos e nem o tempo tira, se se acrescentou, então se deu um sentido certo à caminhada. Se negligenciado, então perdida a oportunidade de juntar. Fatias do tempo fazem a vida. Horas e minutos que o homem marcou, entre o nascer e o por do sol para criar e imaginar, construir e realizar. Num exíguo espaço, um pouco da eternidade. Se a esse pouco for dado toda intensidade e toda luz, viveu-se em profundidade. Se se ficou na superfície, viu-se apenas a vida, não se viveu.

A agenda da minha amiga, àquela tarde, valeu por uma prestação de contas. Tantas eu encontre, quantas irei contabilizar...Equivalem a ducha de água fria na vida acomodada, a um toque de alerta, a um impulso ao todo dia. Uma avaliação do que deve ou não ser feito, aceito ou simplesmente tolerado. Uma correção na trajetória. Uma rota marcada por melhores padrões, com o objetivo de chegar a um alvo enriquecido por realizações pessoais. Uma destinação e não simples acaso.

(*) Regina Stella (Fortaleza), jornalista e escritora

Untitled Document

Regina Stella S. Quintas
Jornalista e Escritora
studartquintas@hotmail.com

                                            
:: Outras edições ::

> 2015

– Outubro
Camaleões à solta

–Setembro
Um instante de Solidariedade

> 2015

– Novembro
Coronel Chichio

– Outubro
Uma ponte...

– Setembro
Um verbo para o encantamento

Agosto
Há vida lá fora...

> 2014

Setembro
Seca: a tragédia se repete
Agosto
Seca: a tragédia se repete
Julho
Gente brava
Junho
Dia da Alegria
Maio
Precioso bem
Abril
Aquele velho “OSCAR”
Maro
Estórias de sertão, estórias de cangaço
Fevereiro
Recado para quem sai
Janeiro
Rota para a vida

> 2013

Dezembro
Na festa do tempo, um brinde à vida
Novembro
Em velha trova do tempo. Trinta dias tem setembro. Abril, junho, novembro...
Outubro
O Gênio e o Homem
Agosto
O Gênio e o Homem
Julho
Um presente de vida a Mandela!
Junho
Dia da Alegria
Maio
Precioso bem
Abril
Aquele velho “OSCAR”
Maro
Estórias de sertão, estórias de cangaço
Fevereiro
Recado para quem sai
Janeiro
Rota para a vida

> 2012

Dezembro
As lições de amor e ternura fazem eterno o Natal
Novembro
As luzes estão acesas
Outubro
Amarga ironia
Setembro
O trono vazio
Agosto
A última trincheira
Julho
Parece que foi ontem...
Junho
Atores de todos os tempos
Maio
Seca: a tragédia se repete
Abril
Imaginação ou realidade?
Maro
Um Século de Sabedoria
Fevereiro
Trágedia e Carnaval

> 2011

Novembro
Trilhas da vida
Setembro
Um mercenário a caminho
Agosto
Usar sem abusar
Julho
Como as aves do céu
Maio
Quem se lembra de Chernobil?
Junho
Sino, coração da aldeia...
Maio
Maio, cada vez menos Mês de Maria, está indo embora...
Abril
Bonn, Bonn
Fevereiro
Depois da festa...
Janeiro
Um brinde ao Novo Ano

> 2010

Dezembro
Nos limites de um presente,um presente sem limites
Novembro
Homem total
Outubro
Estórias de sertão, estórias de cangaço
Setembro
Um tempo que se perdeu
Agosto
Império do Medo
Julho
Acenos de Esperança
Junho
Maio, cada vez menos Mês de Maria, está indo embora...
Maio
Poema Impossível
Março
Numa tarde de verão
Fevereiro
Caminhos de ontem
Janeiro
Muros de Argila

> 2009

Dezembro
Um Brinde Vida
Novembro
A vez da vida
Outubro
Gente brava
Setembro
Gente brava
Agosto
Lição de vida no diálogo dos bilros
Julho
Camalees solta
Junho
Síndrome de papel carbono
Maio
Um tempo que se perdeu


:: Veja Também ::

Blog do Ayrton Rocha
Blog do Edmilson Caminha
Blog do Presidente
Humor Negro & Branco Humor
Fernando Gurgel Filho
JB Serra e Gurgel
José Colombo de Souza Filho
José Jezer de Oliveira
Luciano Barreira
Lustosa da Costa
Regina Stella
Wilson Ibiapina
















SGAN Quadra 910 Conjunto F Asa Norte | Brasília-DF | CEP 70.790-100 | Fone: 3533-3800 | Whatsapp 61 995643484
E-mail: casadoceara@casadoceara.org.br
- Copyright@ - 2006/2007 - CASA DO CEARÁ EM BRASÍLIA -