Janeiro 2013
O Adeus a Flávio Parente
O Ceará acaba de perder Flávio Parente, pioneiro da
radiodifusão cearense que ainda estava vivo. A história de
vida dele se confunde com a do rádio no Ceará.
Wilson Ibiapina
Flávio Barreto Parente nasceu em Camocim há 89 anos.
Deixa a viúva Aglair e cinco filhos, quatro mulheres e um
homem. O arquiteto e compositor Fausto Nilo, casado com
uma de suas filhas, destaca a personalidade conciliadora de
Flávio Parente. Estava sempre contornando os problemas
e nunca foi visto falando mal de quem quer que seja. Esse
estilo que o Edilmar Norões exibe, sempre colocando água
na fervura, desmanchando intrigas, aproximando pessoas,
era também uma característica de Flávio Parente. Um
boêmio, pertencia a turma do Mincharia. Era visto nas
reuniões na casa da praia de Iracema. Durante anos teve
como compaheiro inseparável o irmão mais velho José
Parente. A corda e a caçamba. Unidos no trabalho e nos
momentos de lazer.
Nos anos 40 os irmãos empresários, José e Flávio Parente,
juntaram-se ao advogado Josino da Costa para abrir
uma emissora de rádio que concorresse com a pioneira
Ceará Rádio Clube, que desde 1931 reinava na radiofonia
cearense. Zé Parente era gordinho, Flávio, mais esguio,
era elegante e muito mais society. O radialista e escritor
Narcélio Limaverde lembra que naquele tempo, o irmão
Zé Parente era mais presente
nos locais públicos,
como o Tony’s Bar, que
o Figueiredão mantinha
na praia de Iracema e que
passou a ser chamado de
Tomes Bala depois de uma
briga que terminou com a
morte de um fregues.
A Rádio Iracema entrou no ar em 1948 ao som da ópera O
Guarany. O estúdio e o auditório ficavam no segundo andar
e terraço do edifício Vitória, esquina das ruas Guilherme
Rocha com Barão do Rio Branco.
O transmissor ficava na beira da praia, nas dunas do
bairro Urubu e a emissora passou a ser ouvida também em
alto mar. Flávio guardava uma carta-crônica que recebeu de
Vinícius de Moraes onde ele conta que voltava da Europa,
em agosto de 1953, quando nas proximidades da costa brasileira,
conseguiu ouvir a Rádio Iracema: “... quando, dentro
da noite a bordo, os dedos a revirar o dial do ondas-curtas,
aguardava o primeiro balbucio de minha pátria como um
pai à espera da primeira palavra do seu filho. O coração
batia-me como batera um dia, à poesia sonhada, ou como
um outra vez, diante de uns olhos de mulher.
- O Sr. Tem certeza de que isso é mesmo um ondas-
-curtas?
O camareiro norueguês, grande e tranqüilo, limitou-se a
sorrir misteriosamente. Depois, humano, inclinou-se sobre o
aparelho, o ouvido atento, e pôs-se a tentar por sua vez. As
ondas sonoras iam e vinham verrumando a minha angústia.
Onde estava ela, a minha pátria que não vinha falar comigo
ali dentro do mar escuro? Deus do céu! Seria mesmo
o nome de Iracema? Era sim, porque logo depois chegou a
afirmar-se, mas quase imperceptível, como se pronunciado
por um gnomo montado em minha orelha. Era o nome de
Iracema, da Rádio Iracema, de Fortaleza, a emissora dos
lábios de mel, que sai mar afora, enfrentando os espaços
oceânicos varridos de vento para trazer a um homem saudoso
o primeiro gosto de sua pátria.
Adorável prefixo noturno, nunca te esquecerei! Foste
mais uma vez essa coisa primeira tão única como o primeiro
amigo, a primeira namorada, o primeiro poema. E a ti eu
direi: é possível que
o Padre Vieira esteja
certo ao dizer que a
ausência é, depois da
morte, a maior causa
da morte de amor.
Mas não do amor à
terra onde se cresceu
e se plantou raízes, à
terra a cuja imagem e
semelhança se foi feito e onde um dia, num pequeno lote,
se espera poder nunca mais esperar.”
A Rádio Iracema proporcionou outras alegrias e entretenimento
a muita gente. Os irmãos Parente, em 1951
lançaram a primeira rede de emissoras de rádio genuinamente
cearense. Era a Rede Iracemista, com emissoras em
Juazeiro, Sobral, Iguatu, Maranguape.
O edifício Guarany, sede própria, foi construído na rua
24 de maio, na praça José de Alencar e inaugurada em 1954.
Zé Parente e Flávio comandavam outros empreendimentos,
mas foi como donos da Iracema que se consagraram na
memória do cearense.
Depoimento
No dia 1º de fevereiro de 2013 Narcélio Limaverde vai
completar 59 anos de atividade ininterrupta no rádio cearense,
graças a Flávio Parente. Narcélio já estava aprovado em
concurso para ingressar na Ceará Radio Clube, quando foi
visitar a Rádio Iracema. Lá ele ouviu do diretor da emissora,
Armando Vasconcelos, que desistisse, que não dava para o
ofício. Flávio Parente discordou. Narcélio lembra: “Devo a
ele essa simpática opinião, obrigando-me a ser de rádio. É
bom ressaltar que, Armando muitos anos depois reconheceu
que eu me tornei merecedor do nome de radialista.”
(*) Wilson Ibiapina (Ibiapina), jornalista, leia também no blog Conversa Piaba: http://conversapiaba.blogspot.com.br/