Fevereiro 2013
Gente que nunca morreu nem tem inveja de quem morre
Acho que só mesmo os seguidores da religião islâmica
não temem a morte. Aos que morrem em nome
de Alah, a religião assegura 72 virgens. O Alcorão
revela que o paraíso islâmico é sensual mas não fixa
esse número de virgens para cada fiel. A Necrofobia
– medo da morte ou coisas mortas - é doença antiga.
Tem a Tanatofobia, a fobia do medo da morte. A
palavra Tanatofobia vem do mito grego de Tanatos,
divindade grega da morte. Tá lá no Google: “para o
filósofo Jacques Choron existem três tipos de medo da
morte: medo do que vem depois da morte (ligado as
religiões, castigos, solidões, sentimento de culpa, etc.),
medo do evento ou do processo de morrer (sofrimento
prolongado, fraqueza, dependência, estar exposto e
vulnerável, etc.) e medo do “deixar de ser” (é o mais
terrível, é conflito entre o nada versus a continuidade
após a morte, o não ser).”
Mas tem gente que não está nem aí, leva tudo na
brincadeira, sem a menor prudência frente a perigos
que possam prejudicar a vida. Em Fortaleza, um comerciante
abriu um bar em frente ao cemitério Parque
da Paz. E se diverte com o nome que escolheu para o
seu negócio: “Olhando para o Futuro”.
Isso lembra a história que o Jorge Ferreira gosta
de contar. Lá em Cruzilha, interior de Minas, tem um
bar no caminho do cemitério, onde uma turma antiga
assina o ponto. Um dia, Pernaiada não compareceu ao
bar do Tiaozinho. Quando reclamavam sua presença, Pernaiada aparece num pequeno cortejo fúnebre, passando
bem em frente ao bar. Uma das mãos segurando
uma das alças do caixão, com a outra sinaliza pra turma
da Opa: “pessoal vou levar a titia alí, mas volto já, já.”
Tem gente que não teme a morte, pensa que nem
Jay Gatsby, de Scott Fitzgerald, que a vida é uma festa
sem fim, em que todos continuamos jovens e ricos para
sempre. Mas há os que se pelam de medo da morte.
Em Mossoró, no Rio Grande o Norte, um monsenhor
moribundo, recebe a visita de um jovem padre. Na
ânsia de confortar o velho sacerdote, o jovem padre
ensaia um mini sermão: “que bom! Finalmente, o senhor
vai sair desse mundo pervertido, desigual, cheio
de miséria, traições... Ainda bem que está chegando a
hora do senhor partir para o lado de Jesus..” E antes
que o padreco concluísse sua ladainha, o velho monsenhor
suspirou: “Mas meu filho, acho Mossoró tão
bonzinho!!! O monsenhor potiguar sabia que mesmo
que a Bíblia nos estimule a perseguir a vida eterna, as
escrituras revelam que só Deus possui a imortalidade.
Ciente dessa nossa transitoriedade, não existe machão
que não afine quando dá de cara com a morte.
Em Brasília, um funcionário do Senado, Cláudio
Júlio Freitas Carneiro, levava a vida com muita displicência
até que um dia o coração deu sinal de que
precisava de cirurgia. Cláudio entrou em pânico, mas
transformou o medo numa brincadeira. Mandou fazer
uma laje tumular. Caso não fosse bem sucedida a tal
cirurgia, estava lá a sua pedra de mármore, que ele
passou a carregar no porta mala do carro. Exibiu tanto a sua lápide no restaurante Piantella que o jornalista
Carlos Henrique de Almeida Santos decorou: “Sob a
fria lousa/ Cláudio Júlio repousa/ Aliás em sua vida/
Nunca fez outra coisa.”
Como menciona Joanna de Angelis em várias de
suas obras, o medo da morte resulta do instinto de
conservação que trabalha a favor da manutenção da
existência. Mas tem hora que a fraqueza da carne fala
mais alto. É o Jorge Ferreira que volta à Cruzilha para
lembrar o que aconteceu com dona Nicota, mulher do
seu Geraldo Rôla. Era o ano de 1959. Dona Nicota
andava sentindo dores esquisitas no pé da barriga.
Em Belo Horizonte o médico descobriu um tumor
no útero, não podia ter mais filho. Até ser submetida
a uma cirurgia, nada de sexo. Naquele tempo, camisinha
era roupinha de bebê; Não tinham inventado
a pílula. Para evitar filho só mesmo a abstinência
sexual. Transar naquela situação podia significar a
morte. Seu Geraldo passou a se virar com as meninas
do beco do Quebra-mole. Mas dona Nicota, que tinha
a sensibilidade à flor da pele, não resistiu ao fogo da
paixão que ardia dentro dela, dissolvendo sua racionalidade.
Uma noite, bateu desesperada na porta do
quarto do marido, que já se preparava para dormir.
Bateu forte, que seu Geraldo se espantou: - que foi
Nicota, que aconteceu, mulher? E ela, com o corpo
formigando de desejo, só conseguiu sussurrar: “Eu
quero morrer, quero morrer!!
(*) Wilson Ibiapina (Ibiapina), jornalista, leia também no blog Conversa Piaba: http://conversapiaba.blogspot.com.br/