Edson Queiroz, 100 anos: uma vida de trabalho, visão e legado que transformou o Ceará

Em 2025, comemora-se o centenário do nascimento do empresário Edson Queiroz, homem que deu relevância e grandeza ao comércio, à indústria, à educação e à imprensa do Ceará. Sua história, exemplo de ousadia e de obstinação, é contada pelo escritor Lira Neto no livro Edson Queiroz: uma biografia (São Paulo : Bella Editora, 2022).

No começo da década de 1930, aos oito anos, filho de um pequeno comerciante em Cascavel, no interior cearense, Edson muda-se com a família para a capital, Fortaleza. Ambiente perfeito para os sonhos do jovem, que, mal saído da adolescência, faz-se sócio do pai e, pouco tempo depois, de um outro parceiro com quem abre a Loteria Estadual do Ceará, cujo slogan é dos mais famosos na publicidade cearense: “Insista, persista, não desista, que seu dia chegará!” Confiante, ergue o Abrigo Central, construção de um só pavimento em que lanchonetes, bancas de jornais, cadeiras de engraxates e tabacarias atrairão, por muitos anos, os frequentadores da Praça do Ferreira, no coração da cidade.

À época em que a comida dos cearenses era feita a lenha, Edson Queiroz anteviu no butano o combustível doméstico do futuro. Tornou-se dono de uma distribuidora do gás e da Esmaltec, fábrica de fogões com anúncios que sugeriam às donas de casa indecisas: “Pergunte a quem tem um”. Empresário já importante, amarrava um botijão no bagageiro da bicicleta e o entregava em domicílio, para não perder o cliente. No carro da empresa, ia de porta em porta com uma oferta: deixaria gás e fogão por uma semana, quando voltaria para saber a opinião da família. Na cozinha, propunha limpar as paredes escurecidas pela fumaça: tomava da lixa, da brocha e da tinta e ele próprio dava conta do serviço.

Em 1967, afasta-se por dois meses da direção dos negócios, para acompanhar, em Nova York, o tratamento médico da esposa, dona Yolanda. Hospedado no Waldorf Astoria, anda a pé alguns quilômetros todas as manhãs, até o Mount Sinai Hospital, quando aproveita para comprar lembranças com que gosta de presentear os amigos. De malas cheias, tem de adquirir outra. Encontra-a na Pennsylvania Luggage, loja pouco iluminada e com muita poeira, cujo dono, Levi Caddah, mal abre a boca para lhe dizer quanto custa: 12 dólares. De espanador em punho, Edson vai para a porta e começa a operação limpeza, quando um passante lhe pergunta o preço da mala: “12 dólares”. Vende-a, recebe as notas e entrega-as ao dono, que não entende nada. Pega outra, volta à entrada e atende um inglês, que lhe compra, por 125 dólares, a mala, um cinto de couro e uma bolsa para a mulher, pelo que ganha uma caneta de brinde:

O homenzinho por trás do balcão assistira a tudo, com ar incrédulo, os olhos por cima dos óculos arriados no nariz. Ao receber o dinheiro, contou as cédulas, desfez a carranca e elogiou a performance de Edson – sem contudo deixar de censurá-lo por ter deixado o inglês levar a caneta de graça. Como resposta, o velho ouviu uma preleção. Deveria tratar melhor os potenciais compradores que entravam na loja. Também precisaria cuidar melhor do local, iluminando-o com mais intensidade, expondo as mercadorias de forma atrativa – e, principalmente, deveria providenciar uma bela faxina, para se livrar de todo aquele pó acumulado.

“Você trabalha para alguma outra loja na cidade?”, perguntou-lhe o comerciante. Ao ouvir que não, apressou-se: “Pois está contratado. Começa amanhã, logo cedo”. Edson disse estar com a mulher hospitalizada, razão pela qual só poderia trabalhar meio expediente. E assim empregou-se em Nova York, por 40 dólares mensais, o dono da Norte Gás Butano, que lucraria 18 milhões de dólares naquele ano…

Três semanas depois, um engenheiro grego, que montara os terminais da empresa no Pará, reconhece o cearense atrás do balcão:

“Como pode ser? Este é um dos homens mais ricos do Brasil”, revelou o engenheiro ao não menos atônito dono da pequena Pennsylvania Luggage. Edson Queiroz, entre risos, explicou-se dizendo que não conseguiria ficar mais um único dia em Nova York zanzando a esmo, sem ter nada para fazer. Detestava o ócio. Sendo assim, seguiria ajudando o Sr. Caddah até se aproximar a data em que Yolanda recebesse alta.

Com olhos no futuro, o empresário sabia que não se vai longe sem a comunicação e a educação, setores em que marcou forte presença. Em Fortaleza, comprou a Rádio Verdes Mares (1962), fundou a TV Verdes Mares (1970) e o jornal Diário do Nordeste (1981). Em terreno de 500 mil metros quadrados, área maior que a do Vaticano, construiu as modernas instalações da Universidade de Fortaleza, a Unifor:

Na minha juventude, não pude cursar faculdade, mas agora vou colocar a rapaziada de Fortaleza para estudar em uma universidade de ponta. (…) O Ceará, precisando tanto de seus filhos mais dotados, os exporta. (…) Não é necessário que à pobreza da terra se alie a pobreza cultural do homem. (…) Para nós, do Nordeste, educação é problema de subsistência, é artigo de primeira necessidade.

Tida como a melhor universidade privada do Norte e Nordeste, a Unifor tem, hoje, mais de 12 mil alunos em 40 cursos de graduação e de pós-graduação, que já diplomaram mais de cem mil bacharéis e sete mil mestres e doutores.

Na noite de 7 de junho de 1982, o empresário perde, no Rio de Janeiro, o avião que o levaria ao Recife. Embarca no voo 168 da Vasp, que partira de São Paulo com destino a Fortaleza: quer fazer uma surpresa à mulher. Horas depois, o Boeing 727-200 choca-se com a serra da Aratanha, a poucos minutos de aterrissar no aeroporto Pinto Martins. Morrem os nove tripulantes e os 128 passageiros, entre os quais Edson Queiroz, aos 57 anos de idade.

Aos que quiserem saber da importância de Edson Queiroz, lembro o slogan da sua fábrica de fogões: “Pergunte a quem tem um”. E o povo cearense dirá da grandeza humana, do brilho da inteligência, da capacidade de trabalho e da confiança no futuro desse conterrâneo, empreendedor admirável que fez melhor e mais belo o pouco tempo que lhe foi dado viver.

Sobre o Autor

Edmílson Caminha é escritor, professor e membro da Academia de Letras do Brasil e atual Diretor de Educação e Cultura da Casa do Ceará em Brasília. Reconhecido por sua capacidade de unir análise crítica e lirismo, Caminha vem contribuindo para o enriquecimento do debate cultural e literário por meio de ensaios e artigos que desvendam as múltiplas facetas do conhecimento e da tradição.