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Janeiro 2010

Cearense, a segunda médica brasileira


Amélia Pedroso Bembem é nome pouco conhecido no Ceará, inclusive em sua cidade natal, Crato. Poucos ali sabem tratar-se da primeira mulher cearense e a segunda no Brasil a formar-se em Medicina, em 1891, pela veneranda Escola de Medicina da Bahia, a mais antiga do País. A primeira foi a gaucha Rita Lobato, diplomada pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. 

Ao término do curso, a cearense defendeu a tese que intitulou “Disposições anormais do cordão umbilical”.

Filha de Joaquim Pedroso Bembem e de Umbelina Moreira de Carvalho, Amélia nasceu no sítio Bebida Nova, ao pé da serra do Araripe, de propriedade de seu pai, agricultor e grande produtor de rapadura na região. Também conhecido como Lopes, o sítio ficava a pouca distância do centro da cidade do Crato e em volta dele dezenas de outras propriedades rurais eram dedicadas à produção de rapadura, que era vendida, em grande parte, para os estados de Pernambuco, Piauí, Paraíba e Rio Grande do Norte. Houve época em que só no município do Crato havia mais de 200 engenhos de cana de açúcar, produzindo a melhor rapadura do País.

O escritor J. de Figueiredo Filho, autor do livro “Engenhos de Rapadura do Cariri”, cratense como Amélia, esteve com ela, em Salvador, em 1936. Visi-tou-a em casa. Ela já de idade avançada e viúva do cirurgião Julio Perouse Pontes, de ascendência francesa. Explica Figueiredo Filho como, com o casa-mento, ela passou a assinar-se Amélia Benebien Perouse. Alterou o sobrenome Bembem para Benebién, resultado da junção da palavra latina Bene, e do francês Bien. Na verdade, Bembem era apelido do seu pai que foi incorporado ao sobrenome de família. Com o nome de casamento, passou a ser conhecida na Bahia e com o qual a municipalidade de Fortaleza a homenageou no início dos anos 80, batizando uma rua com o seu nome, fato que até hoje, lamentavelmente, não ocorreu em sua cidade natal. 

Aliás, no Crato, como dito acima, ninguém sabe quem é Amélia Perouse, nome estranho inclusive à edilidade cratense, que, exceto algum de seus integrantes, não está muito a fim do passado histórico da cidade. Para o jurista e escritor Raimundo de Oliveira Borges, atualmente com 102 anos, lúcido e em plena atividade intelectual, “um povo sem anais assemelha-se a uma árvore de poucas raízes ou de raízes superficiais. Vida efêmera, ou facilmente abatida pelas intempéries”. Em seu livro “Crato Intelectual”, Borges focaliza a figura da Dra. Amélia e afirma fora a homenagem prestada pela edilidade fortalezense à primeira médica cearense, a ilustre cratense “teria desaparecido na voragem do esquecimento, lembrada quando muito pelos familiares...”.

A respeito da médica cratense, escreveu Figueiredo Filho: 
“De Crato, escondida à sombra da Chapada do Araripe, quando no Brasil não se falava em reivindicações femininas, ainda na monarquia seguiu, para estudar medicina, a moça Amélia Pedroso. Parte do percurso até alcançar os trilhos da estrada de ferro Salvador – Juazeiro da Bahia fazia-se em lombo de cavalo”. E, reportando-se ao pai de Amélia, para ele uma espécie de Diógenes matuto:

Certa vez, quando conduzia a filha do Crato ao São Francisco, acompanhada de dois escravos de confiança, parou o cavalo de súbito em cima da chapada do Araripe. Virou-se para a filha e disse: “Menina, você vive na escola com rapazes brancos e bonitos, mas nunca se perdeu. Pode viajar sozinha com esses negros, sem nenhum perigo. Vou voltar. Retrocedeu. Foi cuidar do engenho de rapadura no seu sítio pé-de-serra, Bebida Nova”.

(*) José Jézer de Oliveira (Crato), jornalista    

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