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Agosto 2012

A última trincheira

Se há um lugar para onde se vai, correndo, quando o cansaço chega, na rua, no trabalho, no escritório, é a casa da gente. Então, se respira fundo, como se uma missão tivesse sido concluída, ali, a certeza de um compromisso realizado.

Para um lado se joga a bolsa, numa mesa as pastas e os livros. O paletó, desobrigado das formalidades é esquecido na primeira cadeira que se vê, e num chinelo os pés se espicham

A poltrona arredondada, frente à televisão, é um convite insistente à entrega da tensão, e o jornal que não se leu pela manhã, dobrado, aguarda a vez de informar, de contar da humanidade as suas peripécias.

O barulho d água na torneira aberta ou do chuveiro, caindo,a risada do filho que acaba de chegar da universidade, o chiado do bife fritando na cozinha, o “pequenês” que late quando a campanhia toca......é um oásis a casa da gente.Uma sombra num dia ensolarado. Uma clareira na floresta fechada. É abrigo e segurança. E se os resultados no trabalho, no escritório, não são bons o quanto se esperava, ali se fecham os olhos e se procura uma nesga azul no céu cinzento.

Mas, não são as paredes do apartamento ou os muros delimitando o espaço que abrem a cada um a porta do sossego e do descanso. As paredes lisas ou as cortinas de seda, os tapetes que cobrem o chão, nem os cristais reluzentes decorando as mesas dão as boas vindas e o convite a que se entregue, se dê e se fique à vontade. É algo mais que lá dentro, e cá, no peito, dão a certeza do aconchego.E o diálogo se faz e a comunicação existe, dispensando muitas vezes as palavras. E cada um que chega vai fazendo a sua entrega, n um ritual de confiança. A família está presente.

Instituição que começou nos primórdios da humanidade, a família, hoje, na evolução que aceitou através dos séculos, é uma lembrança longínqua daquele agrupamento rudimentar de homens e mulheres numa caverna em volta do fogo, onde um pedaço de carne, resultado de uma caçada, em grupo, era dividido, e na união se fazia a força e se atenuava o medo.

A família é a primeira escola. Da palavra. De comunicação. De troca. Do riso franco. Na criança, o primeiro gesto estendendo a mãozinha rechonchuda pedindo apoio e ajuda tem na família o primeiro espectador e a primeira resposta. Ali começam as opções, as escolhas, as preferências, todo um aprendizado na arte de dar e receber. O respeito pelo outro se insinua, toma vulto, e a consideração pelo mundo do irmão se torna sagrado. E se aprende a esperar. E a aguardar a vez. E a ceder. Como também renunciar. Abrem-se as portas do coração para atender o que bate, e o convite a confiar é aceito plenamente. Aprende-se a trocar. E a dividir. E cada um colabora com o todo, na certeza de que a omissão não pode ter lugar e que a participação leva a melhor resultado. Na disputa natural que é um treino, uma experiência sempre repetida, aprende-se que a violência gera a violência e que a comunicação e o diálogo existem para o entendimento e a melhor maneira de se conviver. As limitações são aceitas. Sem a preocupação de impressionar, de mostrar aquilo que não se é ou que não se tem, não se levantam os muros da dissimulação. Capacitam-se todos, à custa da evidência, que ninguém é perfeito, e que o erro de um, hoje, pode ser o erro do outro, amanhã. E o atenuante, a desculpa, o perdão são dados. Troca-se carinho e amizade, em família, com a mesma simplicidade com que se dá” bom-dia” E, querer bem é tão natural como respirar.

Oásis, clareira, sombra. Não é lugar, não é espaço, mas ali vive a certeza de que o bem e o amor existem. Célula primeira e base da sociedade, cidadela,hoje, ameaçada Os alicerces, cedendo, pelas paixões, pelo imediatismo, pelo egoísmo que reina.

Enquanto nida, estável, há sobrevivência.Mas, sem compreensão, desvalorizada, sem afeto, dividida, que espécie de indivíduo terá o mundo, na criança que sem calor e aconchego, carente de amor pede migalhas e endurece o coração porque nada recebeu? E, se encontrou apenas portas fechadas e foi forçada a se tornar uma ilha, o que pode oferecer essa criança, homem amanhã, em troca do que não ganhou? Se não aprendeu a dar e nem a receber?

Num mundo de incompreensões e incoerência, de difícil peleja para sobreviver, que se sustente se firme, se defenda a estabilidade da família Nela se encontram os verdadeiros valores e a segurança do mundo. Cidadela ameaçada é ainda a última trincheira.

(*) Regina Stella (Fortaleza), jornalista e escritora

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Regina Stella S. Quintas
Jornalista e Escritora
studartquintas@hotmail.com

                                            
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