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Outubro 2015

Uma ponte...

Muitos anos se passaram, mas a memória guarda, nítidas, as cenas fortes ali vividas, o cheiro da maresia, o vento impertinente a assanhar os cabelos, a sensação de frio e de vazio na hora da despedida, o vozerio, o grito dos catraieiros e o medo. O terrível medo das profundas aguas, encapeladas, se jogando nas estruturas de ferro, e o pequeno e frágil barco ao sabor das ondas tentando se equilibrar no impetuoso vai-vem das águas.

A Ponte Metálica de Fortaleza entrava, mar a dentro, e ali se faziam as despedidas e as últimas recomendações, e se davam os últimos abraços, antes de descer, assombrada, a escada de ferro para saltar para o barco que, agitado, nas águas raivosas, subia e descia qual casca de noz.

Eram gritos e exclamações, medo e ansiedade, e, estendida, em expectativa, a mão firme do catraieiro aguardando o exato instante de segurar a mão do passageiro, trêmula, nervosa, na hora de saltar.

Longe, em alto mar, fundeado, o navio aguardava os viajantes que na pequena embarcação singravam as águas, instável o coração, tão difícil partir! E eram os lenços brancos tremulando na velha ponte, e eram os acenos, no barco, cada vez mais se distanciando, pequeninos...

Velhos tempos. O Aeroporto não tinha a significação de hoje, e para se aventurar em outras plagas, o mar era o melhor caminho. Imenso e misterioso. “ Tomei um Ita no norte, pra vir pro Rio morar...” eram os versos do poeta popular. E entre seguir ou ficar, uma ponte.

Talvez por ser o último elo ou por ser o primeiro, passei a amar as pontes, guardando de cada uma as singularidades. E, além da simpatia, a olha-las com um certo enlevo. Há um certo encantamento nas pontes de bambú. Frágeis, toscas, simples, despretensiosas, lembram algo que se encontra do lado de lá, e nem se sabe definir. Um ar singelo, ingênuo, barulho de água murmurando nas pedras. As pontes de trilho, em dormentes, onde tantas vezes passei, menina, em baixo o rio espumando, deixavam sempre palpitando o coração. Já não teria a coragem de atravessa-las. Com os anos vai se perdendo o sabor do risco! A própria pinguela, rude, tosca em demasia, tem uma história a contar, pontilhada de magia. O velho tronco, deitado, ligando uma margem à outra do rio, por onde se passa como equilibrista de circo, traz na lembrança uma imagem feliz de mãos se apertando, firmes, durante a travessia, de palavras amigas sustando o embaraço, alegria de criança, em grupo, arrostando o perigo.Ah! tantas histórias de pontes...

Ponte...uma ligação, um contato, uma comunicação.

Possibilidade de se chegar “ao lado de lá”, de se tentar o desconhecido, de acrescentar um mais na história de cada um, Neste conturbado mundo, escasseiam as pontes. Não de metal e alvenaria, que essas são extraordinárias, majestosas, absurdamente fantásticas. São outras, as que faltam. Isolado, o homem é uma ilha, ansiando por um continente. Uma ponte. Um apelo, um grito, uma mão em ritus, ah! é um coração conclamando compreensão e solidariedade. Um debruçar sobre o caminho de outrem, uma resposta ao S.O.S é uma ponte que se lança.

Do naufrágio de uma barca inglesa, há anos, tragédia propalada pelo mundo inteiro, eu lembro, e que pôs em suspense o coração, a imaginação jamais pintará o terror dos instantes vividos, narrados por alguns sobreviventes. O doloroso beijo de despedida de um casal,antes da mulher se tragada pelas águas, levada por um redemoinho, o corpinho de um neném passando com extrema rapidez, qual meteoro, a criança de apenas oito anos que não poude obedecer ao pai que lhe mandava nadar para frente, onde estava, porque ele sabia nadar apenas de costas! E sem compreender perdera toda a sua família! E a extraordinária resistência do jovem inglês, trinta e três anos e um metro e oitenta de altura que, no auge da aflição e da agonia se transformou numa ponte humana! Entre duas traves de metal ele se esticou, num espaço aberto no meio do barco, quase todo cheio dagua e permitiu que outros fizessem do seu corpo uma ponte, sobre ele pisando, a tempo de escapar da morte! Ponte de solidariedade extrema, ponte de nervos e músculos, arrancou da morte iminente mais de vinte passageiros, a própria mulher e uma filhinha! Um gesto de tamanha solidariedade acende a fé na alma da gente e faz renascer a esperança de que o bem não bateu em retirada. Ainda existem pontes... Entre as lembranças, indestrutível, ficará a imagem desta ponte onde pulsava, ardente,obstinado, um coração...

(*) Regina Stella (Fortaleza), jornalista e escritora.

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Regina Stella S. Quintas
Jornalista e Escritora
studartquintas@hotmail.com

                                            
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Seca: a tragédia se repete
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Recado para quem sai
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