Janeiro 2009
A última do Português
Estou começando o ano tendo que aprender a escrever. Aliás, todos nós.
Essa mudança provocada pelo acordo ortográfi co de Língua Portuguesa me pegou desprevenido. As alterações atingem 5% do vocabulário, mas mexem com palavras chaves e não há quem não sinta a mudança no dia a dia.
A nova ortografi a derruba o trema mas mantem o acento diferencial em pôde para diferenciar de pode. Cai o acento de voo, leem e veem. Antiinfl amatório, micro-ondas, micro-ônibus ganham hifens que desaparece em mandachuva, paraquedas, dia a dia, café da manhã. Essa é para não esquecer: palavra composta com o prefi xo terminando em vogal e o elemento seguinte começando em consoante, -.sabe o que acontece? - a consoante fi ca dobrada. Exemplo: anti-semita vira antissemita, contra-regra passa a ser contrarregra. E nós que achavamos que sabiamos escrever, vamos começar tudo de novo.
Mas não entre em pânico. O escritor Luís Fernando Veríssimo diz que nunca foi bom em gramática e que respeita apenas algumas regras para evitar os vexames. Já o professor Pedro Luft diz que gramática é dispensável. Indispensável é aprender a língua que contém a gramática.
Importante mesmo é saber expor as ideias. Muitos vestibulandos estão entre os que não aprenderam a velha ortografi a e muito menos se expressar.
A prova de redação de uma universidade mineira, que teve como tema:
‘A TV FORMA, INFORMA OU DEFORMA?’ resultou num amontoado de asneiras que hoje correm o Brasil pela Internet como motivo de gozação. Entre as perólas selecionadas pelo professor José Roberto Mathias e que me foram enviadas pela professora Erotilde Honório Silva está “A TV possui um grau elevadíssimo de informações que nos enriquece de uma maneira pobre, pois se tornamos uns viciados deste veículo de comunicação’.
‘A TV no entanto é um consumo que devemos consumir para nossa formação,informação e deformação’.
Você ainda pode escrever errado, pela velha ortografi a ,até 31 de dezembro de 2012. Quem não conseguir se adaptar às mudanças , no mínimo, vai denunciar a idade quando escrever palavras cheias de hifens, tremas e acentos que estão sendo abolidos. O que não pode é fi car escrevendo por aí que “a TV é o oxigênio que forma nossas ideias.”
O objetivo da mudança ortográfi ca é unifi car a língua portuguesa, tarefa que, particularmente, acho muito difícil. As diferenças nas defi nições das palavras e em expressões são grandes e estão enraizadas para desaparecer como num sopro de mágica. Os portugueses usam o verbo no infi nitivo - “estar a fazer”. Aqui no Brasil notamos mudanças de uma região para outra imagine daqui para além mar.
As mudanças no falar e no escrever começam quando você entra no avião da TAP, a companhia aérea vai lhe levar à pátria de Camões. O jornalista Toninho Drummond, que tem casa em Cascais, faz um alerta. Quando um português perguntar “Você vai SEMPRE a Portugal dia 26 ? “ Responda simplesmente “sim ou não”. O brasileiro perguntaria “Você vai MESMO a Portugal dia 26”?
Antes do avião descolar, se a comissária de bordo perguntar qual sua coxia, não se espante, Mostre o número de sua cadeira que ela lhe acomodará numa boa. Se um português, ao lado, lhe falar que notou quem você é brasileiro só por causa do acento, lembre-se que assento é coxia e acento é simplesmente sotaque. Quando o avião aterrar em Lisboa, aí sim, verá as diferenças da língua.
Lá ônibus é autocarro, carteira de habilitação de motorista é carta de condução. Carruagem é o vagão do trem que lá é comboio. Metrô é metro, sem acento. Quando o lusitano falar absolutamente ele estará dizendo que sim e não absolutamente não. Nunca peça para trocar o salto quebrado de um sapato. Ele literalmente vai passar um de um lado para o outro. Fale que quer substituir
Nunca diga a um português que quer ir a um banheiro. Banheiro pra eles é o salva-vidas que trabalha nas praias piscinas. Diga que quer ir a casa de banho e quando sair não esqueça de carregar no autoclismo, que é dar descarga. Camisola é camiseta, cueca é calcinha de mulher. Fila é bicha e bicha é paneleiro e, assim como aqui, tem um monte de outros nomes. Terno é fato. O fato é facto, entendeu?
Não é fácil.. O escritor Mário Prata um dia marcou um encontro com umportuguês que ele não conhecia. O gajo deu uma dica: vou passar em tal lugar às tantas horas num carro côr de café com leite. O jornalista fi cou olhando para ver um carro beje ou marrom, que lá é castanho. Eis que o gajo aparece num carro preto e branco. Café com leite, sem mistura.
No teatro, cinema ou no futebol não pergunte onde comprar ingresso.
Ninguém vai saber informar. Peça um bilhete. No Rio, o carioca chama torneira de bica, em Portugal bica é o cafezinho saído da máquina. No bar ou no restaurante quando pedir um imperial o garçon pode perguntar se você quer de garrafa ou de pressão, que é o nosso chope. Como chamar o garçon? Lá eles não tem nome, Aliás não adianta chamar porque eles nunca vem. Faz favoire. Essa é a expressão usada para chamá-los.
Mário Prata trabalhava na televisão portuguesa RTP.e quis batizar o garçon de Shifazfavoire. Num programa que estava escrevendo para a tv chamou o garçon de Shifazfavoire, achando que estava contribuindo fi lologicamente, como ele mesmo diz, com a cultura do país. O ator não gostou e sob o argumento de que não existe essa palavra no português sugeriu chamar o garçon de Manuel.
Como a unifi cação do português é coisa para as próximas gerações, sugiro aos que estão pensando ir conhecer Portugal que comprem o dicionário que Mário Prata acabou fazendo para facilitar a vida dos que aterrarem por lá. Em tempo, o livro tem o título de Shifaizfavoire.
(*) Wilsom Ibiapina (Ibiapina), jornalista