Julho 2008
Memórias de Tarcísio – O Repórter
Quando vejo a Tv Câmara exibindo, em horário nobre, o documento sobre a trajetória profissional de Tarcísio Holanda na imprensa brasileira, vão aparecendo na minha cabeça , como flash-back, cenas de memória passadas no Ceará e no Rio.
Tarcisio fez nome na imprensa cearense antes de deixar Fortaleza, no início dos anos 60, segundo ele, “expulso pelos coronéis da política cearense da época, o governador Virgílio Távora e o deputado Armando Falcão (depois ministro -”nada a declarar” - da Justiça)”.
Na Gazeta de Notícias, em Fortaleza, foi chefe de reportagem, pautando um monte de focas, hoje jornalistas conhecidos no país. Ao foca Gervásio de Paula pediu, em certo dia, que lhe trouxesse uma matéria sobre “o juri de hoje”. O repórter caiu em campo pela manhã e só retornou à redação no começo da noite, cansado, desiludido e sem matéria. Envergonhado por não ter cumprido a missão disse ao chefe que tinha procurado por toda a cidade. - Tarcísio percorri as salas de todos os andares do edifício Diogo e não encontrei esse tal de Júlio Diogo.
Tarcísio faz parte da geração de Odalves Lima, Flávio Pontes, Moraes Né, Edmundo Maia, Telmo de Freitas, Blanchard Girão, Assis Tavares, Arabá Mattos, Juarez Themóteo, Durval Aires, Luciano Barreira, Luís Edgar de Andrade, e tantos outros que deixaram seus nomes na história do jornalismo cearense. Como Tarcísio continua no batente, já viu passar outras gerações de jornalistas como Inácio de Almeida, JB Serra e Gurgel, Milano Lopes, Frota Neto, Fernando César Mesquita, Newton Pedrosa, Edilmar Norões, Narcélio Limaverde, Lustosa da Costa, Rangel Cavalcante, Dário Macedo, Ciro Saraiva e outras figuras que enchem as páginas dos jornais e os vídeos das Tvs com informações. Como ele não saiu da moda, muitos que ainda estão nas faculdades serão seus colegas de batente.
Quando foi expulso do Ceará, como frisa no documentário, teve que deixar a mulher Dayse e os filhos pequenos em Fortaleza. No Rio de Janeiro, com amigos no PCB, não demorou a arrumar emprego: Última Hora, Jornal do Brasil. Seu faro de repórter revelou belas matérias estampadas nas paginas da imprensa e que repercutiram nas diferentes camadas sociais do país, até hoje acostumadas a ler os jornais do Rio. Tarcísio foi penetrando na intricada teia da política, fazendo o nome, criando fontes. É neste ponto que começa a sua vida de observador atento nos dos bastidores da política brasileira, de Jango aos presidentes civis, depois de 21 anos de regime militar.
Conta a lenda que numa madrugada, depois de uma daquelas reuniões políticas que varam a noite, Tarcísio telefona para o marechal Cordeiro de Farias, seu amigo e fonte acreditada no regime militar. O marechal acorda assustado e sai, naquele passo pequeno que identifica os idosos, até a sala. Quando disse alô ouviu o repórter perguntar: “marechal, acordado a essa hora, está conspirando, marechal?”E o velho militar, quase dormindo: “Não, meu filho, você é que me acordou”.
É este período que o documentário da TV Câmara, dirigido por Roberto Stefanelli, com edição de imagem de Joelson Maia e arte de Ernani Pelúcio, procura resumir em 40 minutos garimpados em mais de cinco horas de entrevistas. Tarcísio pretende aproveitar todo o material gravado para iniciar o livro de memórias que planeja escrever. Ele, além das matérias que produziu para os jornais, em alguns episódios, fez mais que ver, ouvir e escrever. Como ficou claro nos depoimentos mostrados pelo documentário, Tarcísio participou.
Fernando Barbosa Lima, em documentário que fez com Carlos Alberto Vizeu sobre os 50 anos da TV brasileira, aponta Tarcísio Holanda como um dos melhores repórteres políticos do país. Fala da participação dele no Jornal de Vanguarda, exibido na televisão do Rio e que tinha também a presença de Jaguar, Heron Domingues, Stanislaw Ponte Preta, entre outros cobras do jornalismo carioca. Tarcísio tinha como contemporâneos os jornalistas Moacyr Werneck de Castro, Carlos Alberto Wanderley, Pery Augusto Bezerra, Iram Frejat, Flávio Brito, Pinheiro Junior, Maurício Azedo, Berilo Dantas, Orion Neves, Fabiano Vila Nova Machado, Prisco Viana, Antonio Carbone,, Oyama Teles, Vilas Boas Correia, Luís Edgar de Andrade.
Quando cheguei ao Rio, em busca de emprego, no final dos anos 60, fui procurar Tarcísio Holanda. A exemplo do que fizera com JB Serra e Gurgel, Carlos Paiva, Humberto Alencar, Peri Augusto Bezerra, Gervásio de Paula, levou-me pelas redações. A peregrinação só acabou no dia em que me viu trabalhando em O Jornal e depois na rádio Tupi. A solidariedade é uma marca de seu caráter, de sua formação. Está sempre ajudando alguém. E os amigos só aumentam.
Um dia, quis me aproximar de um deles. No caminho foi me apresentando. Você vai conhecer o cearense vivo mais brilhante. É o jornalista e escritor Gerardo Mello Mourão. O poeta que sabia latim, grego e mandarim, a língua dos chineses. Começava a noite de uma sexta feira quando flagramos o Gerardo, em frente ao prédio onde morava, arrumando o bagageiro do carro. Estava de saída para um fim de semana na Região dos Lagos. Afamília já esperava no carro. Quando nos viu, deixou tudo pra trás e subimos até o apartamento. O papo, regado a aguardente que ele retirava de um barril que acabara de ganhar, entrou pela noite.Acabou quando o barril secou. Gerardo, completamente impossibilitado, teve que cancelar o programa de fim de semana, para desgosto da mulher e dos filhos.
No inicio dos anos 70, a situação no Rio não andava boa para os jornalistas. Faltava jornais para o grande número de profissionais. Desemprego, baixo salário. Foi neste clima que um dia baixamos num bar-restaurante, no Leblon, onde cantava Murilinho de Almeida. O cantor, amigo de Tarcísio, começou a desenhar o retrato do Rio, que acabara de perder o Congresso Nacional. Dizia que a vida noturna estava em decadência e que o futuro estava mesmo em Brasília. Quem faz a noite no Rio são os políticos. Agora eles vão animar Brasília, profetizava Murilinho.
Dias depois, na redação do Jornal do Brasil, na avenida Rio Branco, Tarcísio me pede: olha aí de onde vem as notícias. Só dava Brasília. De lá mesmo peguei o telefone e liguei para o Fernando César Mesquita, que já estava em Brasília; - tem emprego aí?:
No dia 7 de setembro de 1970 desembarquei na Capital. No dia seguinte estava trabalhando na sucursal do Correio do Povo de Porto Alegre. Logo depois, quem também desembarcava em Brasília era o Tarcísio Holanda, correndo atrás da notícia e fugindo de um Rio esvaziado. Aqui se firmou na crônica política ao lado Carlos Chagas, Carlos Castello Branco, Ruy Lopes, Rubens de Azevedo Lima, Flamarion Mosri, Abdias Lima, João Emilio Falcão, Carlos Henrique de Almeida Santos, Alfredo Obliziner, Evandro Paranaguá, .D’Alembert Jaccourd, Álvaro Pereira, Esaú de Carvalho e muitos outros que ainda usam a pena em favor do Brasil. Todos foram peças decisivas na cristalização da opinião pública na abertura política, na anistia e na derrocada da ditadura militar.
No Rio e em Brasília, Tarcísio foi e é repórter. Anda feito cão farejador, investigando, revelando. Hoje, usa toda a experiência acumulada para, também, tecer comentários e análises nos inúmeros jornais e tvs em que trabalha. Como profissional multimídia, enfrenta câmaras, microfones e computadores, sem esquecer do tempo em que as redações viviam impregnadas de fumaça dos cigarros, do barulho incessante das máquinas de escrever e da mistura de medo e ousadia. Como ele lembra, “um tempo febriciante”, de deixar os menos experientes obnubilados, como diria Gerardo Mello Mourão.