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Setembro 2008

Cidade sem cara


A eleição de outubro está chegando. Fosse eleitor em Fortaleza não votaria em vereador que vive mudando o nome de ruas e faria campanha para que ninguém votasse nele. O Marciano Lopes tem toda razão quando protesta.

O endereço era rua Mal-me-quer, na Serrinha. Virou rua Professor Crispim. A rua Onze Horas, no mesmo bairro, mudou para Antônio Teixeira Leite. Todo mês chega aos Correios documento informando a alteração de nomes de logradouros. Em média, duas ruas mudam de nome todo mês.

As mudanças não ocorrem só no nome das ruas. Bairros também viram nome de gente... Prédios antigos são demolidos, praças são invadidas pela especulação imobiliária. Ali, em frente ao hotel Esplanada, li num livro, era a praça Dragão do Mar, homenagem ao jangadeiro que libertou os escravos no Ceará. Lagoas foram aterradas, dunas destruídas. Tudo em nome do progresso.

Aceito a convocação do Marciano para que todos os que amam Fortaleza se unam para exigir a volta dos nomes românticos, líricos de antigamente. Queremos de volta o Passeio Público, os bairros do Coqueirinho, Floresta, Alagadiço, Campo do Pio, Cercado Zé Padre, as praças da Bandeira, das Pelotas, do mercado São Sebastião, que virou Paula Pessoa. Era lá que os circos armavam suas lonas. Nerino, Thiany, Garcia. Quem não se apaixonou por uma artista de circo? Sem o circo, a praça virava campo de peladas. Levaram o mercado justamente para o local onde os circos eram montados. Nem circo nem pelada. Nem as casas que ficavam ao redor da praça. Agora é tudo comércio e só lembrança que vai sumindo com os mais velhos.

Outra queixa do Marciano é atroca do nome da pracinha da Independência, na Volta da Jurema, para Jardim Japonês. O vereador que fez a mudança nem sabe que a cidade já teve um verdadeiro jardim japonês. Ficava na extinta rua Juvenal Galeno, hoje, o trecho inicial da Bezerra de Menezes, perto da praça Otávio Bonfim, onde fica a igreja de Nossa Senhora das Dores. O jardim pertencia ao seu Fujita, um japonês legitimo que ensinou Fortaleza cuidar de rosas, flores. O ambiente agradável podia ser visto da rua, pois era protegido apenas por uma cerca de arame farpado. Quem passava na calçada podia ver o seu Fujita e seus empregados regando as plantas, colhendo, cuidando do jardim que lhe dava renda para o sustento da família, alegria e paz de espírito. Não conheço notícia de alguém que tenha pulado a cerca para colher uma rosa, uma flor em botão. Tempo de gente honesta. Foi trabalhando no jardim japonês que seu Fujita criou os filhos. Fez deles engenheiros, médico, dentista, homens de bem e de bens, que ocupam lugar de posição na sociedade cearense.

As ruas que ostentam nomes de figuras que a história não registra, já foram rua das Flores, rua da Alegria ou Travessa das Hortas. Se você quer saber mais sobre antigas ruas de Fortaleza chame o Haroldo Serra para um papo descontraído. Ele lembra o nome de todas elas. Feito o Nirez, tem a história de cada uma bem viva na memória.

No período de 1999 a 2005, a Câmara Municipal de Fortaleza viu tramitar 71 projetos de lei sugerindo alterações de nomes ou denominações de ruas e praças da cidade. Desde 2006. a mudança não precisa mais de aprovação da Prefeitura. A Câmara baixa o decreto legislativo com o nome substituto.

As mudanças são tantas que lembrei o documentário “A mais remota lembrança”, que o cineasta Pedro Jorge fez com o jornalista Pompeu de Souza. Foram até a cidade de Redenção, onde numa praça, Pompeu tentou localizar a casa em que nasceu. Foi socorrido por uma velha moradora que, para espanto do senador eleito por Brasília, explicou que construíram essa rua nova e “a sua casa ficou lá atrás, longe da praça”.

Muita gente deve estar passando por situação parecida ao procurar endereço em Fortaleza. A cidade está perdendo a referência do seu espaço urbano. Estão fazendo uma outra cidade que não tem nada a ver com seus antigos moradores. O Pedro Jorge diz que em Roma até os ônibus são proibidos de trocar seus números para não confundir os seus usuários. Tenho a impressão que os políticos estão querendo aplicar aquela máxima do diretor italiano Luchino Visconti no filme Leopardo: “Se queremos que as coisas permaneçam como estão, é preciso que elas mudem.




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Wilson Ibiapina
Jornalista

                                            


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