Julho 2013
No Ceará é Assim
A Casa do Ceará em Brasília foi fundada para ajudar os cearenses que vieram participar da construção da cidade. Hoje, ela continua abrigando os “Sem Ceará”, expressão criada pelo historiador Adirson Vasconcelos para identificar todos nós que vivemos longe da terrinha. Não tem os Sem Casa, os Sem Terra?, nós somos os Sem Ceará.
O cearense vai embora, fugindo da seca, da fome, da miséria ou, simplesmente, cumprindo o destino de “andar por esse país/ Pra ver se um dia/Descansa feliz”, como cantava Luiz Gonzaga. Nós saímos pelo mundo com a certeza de que nada pode ser pior do que já passamos. É a mesma coragem que leva o jangadeiro a enfrentar o mar bravio, o mesmo destemor que move o vaqueiro nas quebradas da caatinga atrás de um boi. Em meio as mazelas e as surpresas que a vida apronta, não perdemos o humor, a solidariedade, a presença de espirito.
O repórter Hermann Hesse saiu numa madrugada da TV Verdes Mares, em Fortaleza, para fazer reportagem no interior do Ceará. Pegou a BR-222, rumo a Sobral. Quando o dia começou a clarear, parou num restaurante, na beira da estrada, para o café da manhã. Casa simples, mas mesa farta: cuscuz, tapioca, beijú, batata, doce-de-leite, melancia, banana, mamão, ananás. Jerimum, pão, queijo, café e leite. Ao lado, uma gamela cheia de ovos.
Como se não estivesse contente com tanta fartura, olhou pra senhora que estava atendendo e pediu: - “A senhora pode preparar dois ovos pra mim?”
- “Han! Num preparo nem pra mim”, disse a mulher que deu uma rabissaca e sumiu do salão.
Além de brincalhão, o cearense é solidário amigo. O sr. Dimas, que foi dono da Leão do Sul, que vende pastel e caldo de cana na praça do Ferreira, resolveu mandartrês de seus treze filhos passear em Aurora, sua terra natal. Enviou um telegrama para o compadre antes de despachar os meninos: “Compadre seguem trem amanhã Marshal, Pedro Jorge e Dimas Filho”. Quando chegaram à estação estava a esperá-los uma jardineira. Em casa, os quartos tinham treze redes armadas. O dono da casa foi logo ´perguntando pelos outros irmãos. Não reclamou, nem fez cara feia quando soube que o erro foi do Correio que colocou lá “Marsal, Pedro Jorge e demais filhos”.
Uma outra característica do cearense, além da coragem, é a presença de espirito. Manuel Marinho chegou de surpresa à fazenda, perto de Sobral, e encontrou o capataz dormindo. E começou a cobrar serviço: “cadê a cerca, você não desmamou o bezerro. Assim não dá”, disse aborrecido. O cabra respondeu na hora: - pois então bote outro.
Marinho, gritou com ele: -então é isso que você quer? Pois vou botar outro no seu lugar.”
- Não, doutô. Tô pedindo pro sr. botar outro é pra me ajudá
Nós que vivemos por aqui não desgrudamos de lá. A casa é a ponte. É como o mar. A gente sabe que ele está alí, não tomamos banho toda hora porque não queremos. Muitos cearenses de Brasília não frequentam a casa, mas sabem que ela está aqui para quando precisar.
(*) Wilson Ibiapina (Ibiapina), jornalista