Janeiro 2010
Algodão, o novo éden
Época de duro trabalho enfrentei nos anos 70, quando fui convidado para “dar uma mão” nas atividades em que um amigo e irmãos, exerciam ao tempo da monocultura algodoeira na região em que foram implantados imensos cultivos, tendo como centro referencial, o município de Santa Helena de Goiás, no sudoeste daquele estado.
A região. Não tivera história no tocante aos grandes cultivos da malvácea. Antes, foram pequenos plantios de algodão “cabocho” ou nativo, o popular “inteiro”, cujas sementes agrupadas, facilitavam o descaroçamento. Tempo em que nem de longe se falou em tecnologia ou critério seletivo. Aqueles cultivos empíricos, naturais, visavam abastecer o artesanato, que se destinava a manter antigos teares acionados manualmente ali mesmo.
Plantio de algodão sem conhecimento
Provavelmente algum dia alguém proclamou transbordante:
- Essas novas terras se prestam maravilhosamente para um plantio capaz de fazer o solo produzir quantidades nunca vistas de algodão de excelente qualidade.
Alguns, menos eufóricos e mais temerosos, ainda perguntaram:
- Que variedades vamos plantar, as mais produtivas e menos sujeitas às pragas?
- Que variedades nada... o importante é que seja algodão. Essa de variedade é invenção de técnico...
- Logo começou a corrida enlouquecida. Abriram-se imensas áreas de plantio e foram às terras semeadas de sementes da malvácea.
Os líderes
No tocante aos produtores de algodão a única seleção levada em conta era a do poder econômico, a capacidade de plantar mais ou plantar menos.
Grandes áreas tiveram novos donos, principalmente “pioneiros” paulistas, por sinal já marcados por fracassos anteriores...
Os imensos latifúndios foram redimensionados fracionados, vendidos aos pedaços. Áreas de 1.000, 1.500 e até 2.000 alqueires goianos. Porém não mais os milhares de alqueires da pecuária extensiva, sem limites.
O que interessava antes era a venda anual de cinco ou dez mil cabeças de gado gordo, roliço e valorizando a baixíssimos custos. Os que os olhos atingiam eram as cabeças de gado.
Novos cultivos, novas esperanças.
Os antigos fazendeiros, broncos, atrasados, ignorantes, porém poderosos, que haviam aprendido a manter contas bancárias, corriam para as cidades mais populosas, Belo Horizonte, Uberaba, Uberlândia e até Goiânia onde aplicavam o dinheiro na construção civil. Com que nascidos do seio da terra apareceram os grandes edifícios, os arranha-céus de mais de vinte andares equipados com elevadores capazes de causar frio na barriga... Velhos, antes respeitáveis, deram-se aos mais loucos desregramentos. Os senhores agora tinham suas amantes, algumas vindas de casamentos desfeitos, mas haviam os mais refinados com uma ou duas lindas menininhas tiradas das escoladas, agora senhoras de uma total liberação sexual... Novos tempos, novos comportamentos.
Se a situação gerava novos comportamentos sociais, os cultivos também faziam suas vítimas. Matas, vegetação antes intocada, agora derrubada, moída, queimada, feito pó.
No lugar das matas virgens, agora os campos intermináveis emendados, geminados uns nos outros, numa monocultura desenfreada. Extensões de terras recebendo as carreiras simétricas que logo germinavam em bonitos desenhos, E o desenvolvimento dos algodoais eram vertiginosos. Admiravelmente vigorosos. Logo mais o imenso tapete de flores amareladas. Logo mais os milhões de casulos verdes, “gordos”, fazendo quebrarem-se os galhos fracos demais para tanto peso!
O tempo ajudava, O sol quente fazia logo arrebentarem em brancos Capulhos um tapete branco que não tinha fim. Era o tempo do trabalhador braçal ser valorizado... Um pouco mais bem pago. Milhares, milhões de homens, mulheres e crianças empregados na colheita.
Até velhas malandragens eram toleradas. Uma delas: produtores derramavam litros e mais litros de pura água no algodão colhido para “ganhar peso” e o resultado era o aquecimento mais que anormal das serras. Havendo casos de perigosos incêndios nas maquinas de beneficiamento
Decadência
A decadência foi fatal. Já nem valia a pena tanto pela quantidade quanto pela qualidade (péssima) colher o que já não prestava. E o que havia sido paraíso dos produtos virou inferno. Certa madrugada um estourou os miolos com uma bala. Outros menos radicais brincavam de “roleta russa” à vista de todos... Outros fugiram pelo mundo sem deixar rastros. Era aquele o caro preço da imprevidência e a total falta de planejamento.
(*) Luciano Barreira (Quixadá), jornalista e escritor
Esta crônica foi publicada na edição 195 de Setembro de 2008