Agosto 2008
Chico Romano da Ponte
Certas cenas ficam gravadas tão intensamente em você que, depois de certo tempo, não se sabe se realmente existiram ou se foram geradas em sua fantasia: Parece que ainda estou vendo cena de minha infância que vou relatar Ou fui eu quem a criou, posteriormente, em minha imaginação? Francamente, não sei.
Sou um menino velho, cabeçudo, de dez a onze anos, que faz alguns mandados lá de casa. Compro alguma cousa no armazém do Chico Romano da Ponte, nos baixos de um sobrado, da avenida Dom José, com a rua Coronel Ernesto Deocleciano. Ele veste camisa clara desabotoada, por fora da calça, deixando ver o ventre proeminente e os pêlos embranquecidos. Recebe meu dinheiro e o guarda, com displicência, na gaveta do balcão enquanto continua a conversa com outro freguês. Aconteceu mesmo? Me pergunto eu. Não sei.
De Chico Romano se conta uma estória que fala bem de sua boa fé. Certa vez, recebeu a visita de um cidadão de que não se lembrava e que lhe vinha pagar velha dívida de 500 mil réis, o que era bom dinheiro na época. Chico não quis receber. Não se recordava. da operaão. Não tinha idéia de tal dívida. O visitante, porém, era tenaz em seu escrúpulo e convincente em sua correão. Avivou a memória do credor com detalhes da compra feita, da mercadoria levada, da dívida contraída, do diálogo travado na hora, dos fregueses presentes. Não houve jeito. Dobrou o dono da casa e deixou ali a grana:
“Que homem decente. Nem eu mesmo me lembrava dessa dívida”. Chico Romano passou, vários dias, gabando, prá todo mundo, honestidade tão rara.
Quando o freguês voltou, foi, naturalmente, acolhido com cafezinho, agrado, festas. Não teve assim, qualquer dificuldade em lotar todo um caminhão de mercadorias. No fiado, é claro. O espertalhão nunca mais deu sinal de vida.
A propósito, meu pai lembra que somente pôde construir umas casas em Sobral, graças ao crédito do armazém do Chico Romano. Mandava buscar merca¬dorias sem sequer necessitar de “vale”. Só de boca.
A firma andava aos trancos e barrancos. Deu, porém, para o velho Chico, educar a família, com toda a dignidade.
Ao receber jovens matutas, bem apessoadas, ele tirava seu sarro. Sempre achava um jeito de apalpar-lhes as formas. Conta a lenda que, certa vez, chegaram ao armazém uma velha e duas netas formosas. Não deu outra. Chico foi à luta. Quando acabou de acariciar as meninas, viu que a velha ficou na fila na seqência, esperando seu quinhão. Repeliu-a com veemência:
“Sai do meio, pau velho. Deixa de ser enxerida...”
Quando lhe trouxeram a maca, ainda fez blaque:
“Cadê a mulher?” “Que mulher, pai? A mãe?”, perguntaram os filhos.
Ele explicou risonho:
“Cadê a mulher? Nunca fui para a cama que não fosse com uma mulher.”
Pior (ou melhor?)era o irmão
Manuel Romano de Ponte era sócio (ou era empregado do irmão, Chico Romão),primeiro numa mercearia na então Rua Senador Paula. Àquele tempo, as balanças usavam peso de ferro para aferir a quantidade do produto. Quando chegava a um quilo, Chico sempre inventava uma maneira para acrescentarr mais cem, duzentas gramas, alegando que ´a balança podia estar com defeito´. Se o comprador era uma criança,enchia lhe a mão de balas, na época, chamados bombons.
Venda de casa cara
Mais tarde,já no armazem da Praça Jos Saboya, ainda socio do irmão, Manuel Romano vendeu casa de sua propriedade ao monsenhor Aloísio Pinto. Dia seguinte, após a transaão concretizada, o vendedor madrugou à sua porta o que o levou a ficar inquieto, temeroso de que quisesse desfazer o negócio: ´O que é? Quer desistir? Nao dá mais, não´ Manuel Romano explicou: É que não consegui dormir. Passei a noite em claro, achando que o explorei. Sem querer, o roubei. Cobrei mais pela casa do que valia. Vim devolver o dinheiro que recebi a maior”.