Dezembro 2008
Setenta anos de bom carter
Quando falava de ir,qualquer dia destes, ver o mercado dUm dia destes,almoçando em casa de Fernando César,eu Frota Neto e Wilson Ibiapina nos demos conta do quanto estamos ligados pro- profissional ao anfitrião. Cada um,em determinado momento de sua vida,a ele deveu o acesso ao mercado de trabalho, o que ocorreu a muitos outros,cearenses como nós ou apenas seus conhecidos de outras origens ,em Brasília.
O mais antigo de nós foi Frota Neto,seu companheiro de viagem a Cuba,logo que Fidel Castro assumiu o poder. Ano seguinte,em 1961 havia,na Praça de José de Alencar, manifestação popular pela democracia e pelo respeito à ordem constitucional vigente que garantia a posse de João Goulart na Presidência da Republica,como vice do presidente Jânio Quadros que acabara de renunciar ao posto. Fernando , do alto do segundo andar do edifício Guarani onde então funcionava a Radio Iracema,ao avistar Frota, no meio da multidão, gritou: “ Frota,ainda estas à procura de emprego? “.Lógico, estava. Por isso, logo galgou os degraus da escada do prédio, -muito tempo depois destruído,- e começou a trabalhar,na mesma tarde com Fernando, copiando,- fone nos ouvidos,- telegramas do noticiário de estações de radio do Rio e S. Paulo que seriam aproveitados pela emissora local. Fernando,com sua liderança,em pouco recrutava também Wilson Ibiapina que ainda não era funcionário mas já andava rondando a emissora,auxiliando Alan Neto,na área desportiva.
Dez anos depois,Wilson Ibiapina, que fora ao Rio em busca de oportunidade profissional, se mostrava desalentado com a tentativa e lhe telefonou,indagando: “Fernando , como está o mercado ai?” A resposta foi direta:”Você devia vir para meu lugar no Correio do Povo. Estou saindo para O Estado de S. Paulo e posso guardar a vaga para ti”.Foi o que ocorreu.
Em 1974 quando decidi vir trabalhar em Brasília, depois de tratar de minha transferência como procurador do IPASE para a nova capital, procurei Fernando César que fora amigo solidário e precioso do meu saudoso irmão Alberto, e lhe expus meu projeto.Imediatamente ele perguntou: “Quer trabalhar no Estadão?” Claro que queria. Disse-lhe que pretendia, antes, passar dois meses em Paris e chegar à cidade em dezembro. Ele achou ótimo e expôs suas razoes: Por que assim vou poder te dar vaga de repórter. A vaga que vai ocorrer com a saída de Ronan Soares para a TV Globo”. Foi assim que tive ingresso na sucursal da redação de Brasília do então mais poderoso e respeitado jornal do pais.
Em 1985, Fernando César era nomeado assessor de imprensa da Presidência da Republica e arranjou o segundo emprego para Frota Neto, de seu adjunto. Ao sair, indicou-o seu substituto.
Citei apenas alguns exemplos mais próximos de sua prestação e solidariedade antes de falar de sua revelação como homem público, pau pra toda obra do Presidente da Republica para remover entulhos administrativos, vencer inoperância e arredar qualquer risco de má utilização dos dinheiros dos contribuintes.
Ele, no Palácio do Planalto,não foi mero transmissor de noticias oficiais, e, sim desenvolto protagonista político. Sua ação desinibida, até desaforada, espancou resquícios de militarismo na rotina do Planalto. E enquadrou ministros que, nomeados por Tancredo Neves, achavam não dever obediência a José Sarney. Ele era tão enérgico que se atribuía aos ministros Antonio Carlos Magalhães e Roberto Gusmão chamarem-no “aquele demoninho” da Secretaria de Imprensa.
Ganhou de tal maneira a confiança de Sarney que, quando deixou o posto, recebeu varias missões. Nada fácil porque o que lhe apetecia eram os desafios mais sérios.
Fred Lustosa que trabalhou, no Palácio do Planalto, quando Paulo era ministro da Desburocratização, alimenta o sonho de encontrar tempo para publicar livro sobre o papel de Fernando na remoção do entulho autoritário do prédio da Presidência e na ajuda ao Presidente Sarney na sua consolidação no poder.
*Diz Fred Lustosa: FCM dormiu assessor do Vice-Presidente e acordou porta-voz da Presidência da República. Quer dizer, nem dormiu, porque passou a noite acompanhando as tratativas que garantiram a posse de José Sarney. Desde a primeira hora, foi o incansável combatente que ocupou os espaços do Palácio do Planalto para garantir o mínimo de governabilidade a um Vice-Presidente, sem amplo apoio na base política do novo governo e, até então, sem nenhum respaldo popular. Sem o trabalho de FCM, a posse definitiva e efetiva talvez tardasse mais do que o fatídico 21 de abril. Nos primeiros dias de governo, FCM foi muito mais do Porta-Voz. Foi uma espécie de Chefe da Casa Civil, em caráter informal. Fez tudo isso apoiado apenas nos saltos dos seus sapatos.
Eu estava lá. E vi.”
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Na Secretaria de Imprensa do Presidente Sarney, cuja legitimidade era convenientemente ignorada pelo PMDB que não admitia sua ascensão ao poder e pelo próprio PFL, que o indicara e que o viu como um parceiro e não um chefe, o papel do jornalista Fernando César foi de ator de primeiro plano, fundamental, para consolidação da autoridade presidencial.
Não era, como disse, mero e bem comportado transmissor de decisões do governo e sim um cara que se insurgia contra a persistência do militarismo no estilo do Palácio do Planalto e contra os ministros que não se consideravam devedores de obediência ao Presidente, por haverem sido indicados por Tancredo Neves.
Destemido, desataviado, às vezes desaforado ele chamava ministros às falas e era chamado por alguns deles “o demoninho” da Secretaria de Imprensa e ficou no posto até não poder mais. Pediu afastamento e saiu. O Presidente José Sarney que acompanhara, admirado e algo receoso, sua desenvoltura, viu nele o auxiliar precioso para remover entulhos, combater a corrupção e afastar a ineficiência. Confiou-lhe a organização das ZPES, a presidência do IBAMA e o governo de Fernando Noronha, exercidos, por ele, com plena autoridade e probidade operante a e agressiva
Chegando às sete décadas anos,como quase todos de nossa turma,ele não proclama idade, escorado no negrume dos cabelos e na disposição física para trabalhar duro, correr ,mergulhar e praticar esportes. Como em seus setenta anos de bom caráter.